22 de mar. de 2010

Só Jack Bauer salva?


São 86.400 segundos, 1.440 minutos, enfim, 24 horas. Jack Bauer nunca precisou correr tanto contra o relógio como neste seu dia de nº 8. A 8ª temporada da série policial estreia no Brasil às 23h desta terça-feira, 16, na Fox, e deve ser a derradeira na vida do agente que passou os últimos anos no papel de torturador, de torturado e de salvador do mundo por "x" vezes.

24 Horas é um ícone entre as séries da década. Entrou no ar dois meses depois do 11 de setembro, o que fez de seu protagonista um anti-herói na luta contra o terrorismo - convém lembrar que ela entrou em produção muito tempo antes da tragédia do World Trade Center. Provocativo para a época (trazia inclusive a figura de um presidente americano negro), o seriado inovou ao sugerir na TV o que seria um dia na vida de um agente especial do governo americano. A ação corria em tempo real, durante 24 episódios de uma hora cada.

Ironicamente, o formato é justamente o que levará 24 Horas ao seu cancelamento. Além de a trama ter ficado engessada (mudam vilões e mocinhos, mas a sinopse é a mesma), sua produção é muito cara e engenhosa. Somente o protagonista, Kiefer Sutherland, ganha mais de US$ 500 mil por episódio. E sem os prêmios e a audiência de temporadas anteriores, a Fox não tem receio de encerrar a produção - que, especula-se, renderá uma versão para a telona em breve.

"Não quero saber a sensação do fim, sei que isso acontecerá algum dia. 24 Horas é parte da minha vida: outro dia levei meu filho ao set e Kiefer leu um livro para ele. Quando entrei na série eu não tinha filho nem marido", diz Mary Lynn Rajskub, a Chloe, ao Estado.

Como é de praxe, a cada nova temporada, 24 Horas passa por uma grande renovação. A principal delas, desta vez, é a volta da CTU (Unidade de Combate ao Terrorismo), que foi desligada ao final do 6º ano e passou a temporada anterior trabalhando na clandestinidade, em conjunto com o FBI.

A nova CTU é descolada, sem paredes e com divisórias de vidro, tipo agência de publicidade moderninha da paulistana Vila Leopoldina. Ela também tem um quê de Batcaverna, por agora ser subterrânea e ficar em Nova York, uma importante novidade neste ano. "É uma cidade com uma energia bacana, uma vibração que tem tudo a ver com o show", acredita Annie Wersching, que faz o papel da agente Renee Walker.

Vovô Jack Bauer. No final da 7ª temporada, Jack Bauer esteve bem próximo da morte, após ser exposto a um componente tóxico. Mas é claro que ele não morreu. No episódio que vai ao ar na terça-feira, o agente - aposentado - mostra-se um cara família, avô presente, prestes a se mudar com a filha para Los Angeles, Califórnia.

Porém, uma fonte sua dos velhos tempos lhe passa a informação de um atentado ao presidente da fictícia República Islâmica do Kamistão, que está na ONU, em Nova York, negociando um acordo de paz com a presidente americana Allison Taylor (a vencedora do Emmy Cherry Jones). O país de mentira busca pôr fim ao seu plano nuclear.

O resultado é óbvio: mais uma vez Bauer põe o trabalho à frente da família e se alia à nova CTU para descobrir quem está por trás do ataque. Bauer aceita a missão por trabalhar novamente ao lado de uma surpreendente agente Renee Walker, que agora é praticamente uma versão feminina de Jack. "Ela está bem perigosa e obscura", adianta Annie.

Com o possível final da série à vista, a atriz sabe que o público torce para que Renee seja, oxalá, a pessoa com quem Bauer passará o resto de sua vida. "É um risco se envolver com ele. Não funcionou com outras mulheres", diz Annie, que ri ao escutar dos espectadores mais xiitas sobre a impossibilidade de se apaixonar por alguém em apenas um dia. "Não sei vocês, mas já tive momentos em que me senti conectada com alguém instantaneamente".

Turma de bajuladores
Com a CTU 2.0, novos personagens são apresentados. Katee Sackhoff é a analista de sistemas Dana Walsh, assim como John Boyd, no papel de Arlo. Os dois são o pesadelo de Chloe por serem mais competentes que ela, sempre tão esnobe. "Foi uma sacada bacana. Não é bom para ela, mas é divertido na hora de atuar. Você riu ao assistir?", pergunta Mary Lynn, conhecida nos bastidores por ser o oposto de Chloe. "A sinopse é tão pesada e os diálogos são tão complicados que trabalhar com ela é fantástico. Às vezes temos de olhar para sua testa para não rirmos em cena", brinca Katee.

Quem também integra a equipe da CTU é Freddie Prince Jr., como o militar Cole Artiz. Fora da TV há dois anos, o ator ficou famoso por ser o queridinho da América no começo da década passada. "Fiz filmes como ‘o’ bonzinho e todo mundo amou isso para vender revistas. A mídia me fez assim. Ao mandar minha fita (de audição) mostrei que não era apenas um sorriso", explica Freddie, inquieto sobre seu passado.

Entre os novatos, é regra elogiar a produção e o protagonista de 24 Horas. "O trabalho é fantástico, do cara que limpa a câmera ao diretor. É um programa difícil: você está em uma cena ao telefone com três pessoas diferentes, olhando para uma tela, enquanto cinco relacionamentos acontecem ao mesmo tempo. Kiefer faz isso como se cortasse manteiga", diz Boyd. "Já trabalhei com Al Pacino e Tom Hanks e me sinto nervoso no caminho ao trabalho todo dia", concorda Mikelti Williamson, intérprete de Brian Hastings, o novo diretor da CTU.

Hastings será o algoz de Bauer. "Ele é alguém com dificuldade de pedir desculpas ou admitir seus erros, aquela coisa de macho-alfa. Você não veria os dois saindo em casaizinhos", ri. O ator estava nos planos de Sutherland em 24 Horas desde o começo da série. Ele diz não lamentar a entrada tardia e sabe que, independentemente da decisão da Fox, a série não será esquecida. "Audiências do mundo todo ficam curiosas sobre a reação de um homem ou mulher que colocam a vida em risco por pessoas que nunca viram. Quem faz isso? Jack Bauer".

"Sempre o considerei um personagem político"

"Essa é uma missão para Jack Bauer". Durante os último nove anos, mesmo quem nunca assistiu a um minuto de 24 Horas sabe o significado dessa expressão. O personagem, mistura de McGiver com Capitão Nascimento, é um ícone pop.

Ao conversar pessoalmente com Kiefer Sutherland, a aura em torno de sua criação vai-se embora. Ele é baixinho e não grita, apesar daquela voz sussurrada. Tampouco é um brutamontes que dá mata-leões a esmo. É um gentleman. Mas não se engane: Sutherland é malandro, demora-se nas respostas e controla o tempo a seu favor para não ouvir o que não quer. Como Jack Bauer.

Na 7ª temporada, Jack dizia não ter motivos para viver. Agora, avô, ele parece ter todas as razões do mundo. Essa é a pegada do 8º ano?
Se você olhar as outras temporadas, na segunda houve uma pequena chance de ele ter um relacionamento com a filha. Isso foi embora na temporada 3. Não tinha razões para viver e se apaixonou nos anos 4 e 5. Daí, (sua mulher) ficou em coma irreversível. Temporadas 6 e 7, bem, nada para se viver. Agora, ele tem todos os motivos, na esperança de reatar com a filha. A neta foi o catalisador de tudo. Ele não sabe direito como, mas quer ser um avô melhor do que foi como pai.

Mas isso claramente vai mudar em seguida?
Certas circunstâncias começam a indicar o início de um dia terrível. A situação surge, literalmente, batendo em sua porta, enquanto ele está arrumando as malas para ir embora. Essa relutância é bem interessante. 24 Horas, agora, vai num caminho diferente do que ele quer. Digo, ele está realmente se esforçando para fazer o possível para sair de Nova York.

Isso será um choque?
Não diria dessa forma, mas posso garantir que o personagem foi construído de uma maneira diferente da que foi nos últimos sete anos. Ele tem uma linha que não quer atravessar, mas flerta com essa possibilidade o tempo todo. Não é chocante. Uma das coisas que amo em Jack Bauer é que ele tem um senso de moral muito forte. Quando está em ação, ele certamente fará o seu melhor e dane-se o resto. É a coisa certa ou errada de se fazer. Se será bem-sucedido ou o oposto, isso não é relevante para o show. Nesse contexto, sempre considerei Jack Bauer um personagem muito político.

É estranho ser um avô?
Não, eu tenho um neto de quatro anos. Ele parece um lutador de boxe combalido: fica caindo o tempo todo. Ele corre o mais rápido que um humano pode, e daí cai! Isso me fez desejar ter sido pai um pouco mais velho, eu seria muito mais esperto. Mas não acho que a paternidade tenha me mudado como pessoa. O jeito mais fácil de explicar isso é que eu era pai e morava em uma casa com Billy Zane, Robert Downey Jr. e Sarah Jessica Parker (Risos).

Você acredita que os melhores roteiros e papéis, aqueles mais desafiadores, estão, hoje, na televisão? Vide shows como Mad Men, Breaking Bad e o próprio 24 Horas?
Todos são desafiadores. Não quero entrar nessa de que trabalhar na TV é melhor ou mais complicado. Se você quiser entender a razão de a indústria televisiva ter expandido tanto, dê uma olhada no que aconteceu na indústria cinematográfica. Enquanto eu crescia, os EUA faziam filmes como Laços de Ternura e Gente Como a Gente. Tente achar isso agora. Chamávamos isso de filme de 15 ou 20 milhões. Hoje só fazem isso na Europa, de vez em quando surge O Lutador ou Quem Quer ser Um Milionário?. O resto é Homem de Ferro ou outro blockbuster com tecnologia visual. Esse é o último ano da série? Não sabemos, tchau!

* Matéria publicada no Estadão