22 de out. de 2007

Acabei de voltar hoje do Rio. Estou com umas idéias legais para colocar no blog. Para dar um gostinho do que eu fiz por lá, deixo abaixo, na íntegra, a entrevista que eu fiz com o cineasta José Padilha, o diretor de Tropa de Elite.

A entrevista também ganhou um vídeo no site do Estadão. Cliquem aqui para ver a cara inchada do escriba que vos fala.

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José Padilha está cansado, quase pedindo para sair – de férias. Está cansado de dar tantas entrevistas, cansado de estar a cada dia em um lugar diferente do País para promover o filme brasileiro mais falado do ano – quem sabe, da história do cinema nacional. Entrevistar o diretor de Tropa de Elite não é fácil. No começo ele está arredio, não topa fazer uma foto exibindo o boneco que um internauta criou do idolatrado Capitão Nascimento. Prefere fazer um retrato sentado no sofá, exibindo as suas olheiras de várias noites mal-dormidas. Aos poucos se mostra mais simpático, adora uma boa conversa e topa, por mais uma vez, falar de seu filme, do fenômeno que foi o seu vazamento. Mas também aproveita a conversa para pedir uma reflexão maior sobre a questão dos direitos autorais no Brasil.

O que explica o fenômeno Tropa de Elite?
Não sei. Uma pesquisa do Ibope mostrou que mais ou menos 11, 5 milhões de pessoas viram a cópia pirata, e ontem (dia 18) nós chegamos a marca de 1 milhão de telespectadores no cinema. Isso é um fenômeno que está relacionado à demanda do público. Primeiro, eu não acho que existe uma resposta única para o fenômeno, acho que surgiu o interesse do público em ver o filme antes dele estrear. Essa pergunta se subdivide em várias. Eu acho que passa pela percepção da população que, de fato, a polícia faz parte do problema da violência urbana, e que você não consegue resolver os problemas sem lidar com os problemas internos da corporação policial. Tropa de Elite é um filme que mostra isso com clareza e pela primeira vez no Brasil. E, por último, acho que talvez a gente tenha feito um filme legal (risos)

Um dos motivos que explicam o sucesso do filme é o fato dele mostrar a realidade, aquilo é o Rio de Janeiro. O Ônibus 174 também mostrou isso, mas o sucesso não se repetiu com o público. Por quê? O brasileiro não gosta de documentário?
São filmes diferentes. O filme é construído do ponto de vista do seqüestrador, do marginal. Isso não é novo no cinema brasileiro, porque o Cidade de Deus fala da violência urbana vista pelos traficantes, Pixote conta a história de um bandido, Carandiru é um diário dos presos. Tropa de Elite rompe essa tradição porque aborda o mesmo tempo, mas visto por uma pessoa que entre aspas não é considerada marginalizada, é justamente o algoz, o policial. A gente aprendeu que isso interessa.

Você disse que nessa quinta-feira passada, o filme atingiu 1 milhão de espectadores no cinema. Quando ele vazou, você achou que isso afetaria a bilheteria?
O Ibope fez uma pesquisa formal: 33% das pessoas que viram o pirata se disponibilizaram a ir ao cinema, e 66% disse que não. Então claramente há uma perda aí, independente da bilheteria. O filme pirata não é igual e a experiência de ver um filme no cinema é totalmente diferente: o som está editado, a imagem é excelente, é outra experiência. Grande parte de quem assistiu a versão pirata entendeu isso e foi para o cinema. Eu falo para os distribuidores que, querendo ou não, a pirataria afetou o filme, mas não foi toda a parcela do público que deixou de ir ao cinema. Eu queria que se fizesse uma pesquisa que mostrasse que tipo de pessoa voltou ao cinema e quem não voltou. Aí haveria uma diferenciação e a gente poderia aprender com esse fenômeno inédito.

Você disse que não gostou do filme vazar. Pelo viés artístico isso é compreensível, mas pelo lado financeiro não foi interessante e acabou sendo uma baita estratégia de marketing?
Eu nunca vou saber como seria o lançamento do filme sem ele ser vazado. Mas aí tem quatro questões que eu vou separar: uma delas é o retorno financeiro do filme pelos seus distribuidores e produtores, que tem a ver com o número de títulos vendidos para o cinema e tem a ver com o número de DVDs comercializados. Eu não gostei do filme vazar porque é um furto, você tem um objeto seu roubado. Depois, o filme que vazou não é o original, é um rascunho. Isso me deixou chateado, pois quem apenas viu Tropa de Elite na versão pirata não tem uma avaliação completa do meu trabalho. O terceiro motivo é que a pirataria não é boa, ela envolve sonegação fiscal, as pessoas que vendem piratas não pagam impostos e isso atrapalha muito quem abre uma loja de DVDs normal. A pirataria também aumenta o preço do produto que não é pirata. O cara que não é pirata vende menos, então ele vai ter se subir o preço da mercadoria para poder pagar os custos. A quarta coisa é a corrupção policial. No Rio tem a Guarda Municipal, e o que se vê é que essa estrutura é corrompida pelos vendedores piratas. Tendo dito tudo isso, digo que sou favorável à redução do valor do ticket do cinema, da redução do preço dos DVDs e acho que essas atitudes vão aumentar o consumo.

O Fernando Meirelles brincou, há algumas semanas, que espera que Blindness (filme que ele está dirigindo) também comece a ser vendido nos camelôs, pois foi uma grande jogada de marketing. Você acha que todo filme brasileiro vai conseguir repetir esse feito?
Não. Tem um milhão de filmes sendo pirateados e ninguém compra. Eu briguei o tempo inteiro para o filme não vazar mais e não consegui vencer. O público demandou o filme e não estava disposto a esperar pelo lançamento final, ninguém conseguiu parar a pirataria. Se alguém for pensar em vazar o filme de propósito, vai precisar saber qual será sua demanda. O mais provável é que você dê o DVD pro camelô e ninguém o compre. Com o Fernando, não, ele é um dos maiores diretores do Brasil, se não o maior. Quando ele fez esse comentário brincando, eu também brinquei: “Dá uma cópia do seu filme que eu o entrego para um camelô”.

Você acha que a política do direito autoral no Brasil, que pune quem baixa o filme para assistir em casa da mesma maneira que aquele que faz o download para depois comercializá-lo na rua merece uma reflexão?
Eu acho que a questão do direito autoral merece uma reflexão. Eu nunca vi um caso de alguém baixar um filme para assistir em casa e ser punido. É uma punição teórica, virtual, está escrita na lei, no Brasil eu nunca vi. É teórico isso, assim como é teórico a legalização das drogas. O consumo de drogas vai continuar acontecendo de qualquer jeito no mundo real. O que deve acontecer é que as pessoas que mexem com os direitos autorais precisam refletir sobre os mecanismos de distribuição desses direitos, principalmente de produtos digitais, que são facilmente copiáveis, e devem estudar uma estratégia de baixar o preço desses produtos e torná-los mais acessíveis. Por outro lado, quem pirateia deve saber que esse produto vai conseguir zero reais de receita e não vai existir. Se todo mundo começar a piratear e não consumir o produto no mercado normal, a empresa que o distribui quebra e daqui a cinco anos só haverá o público do pirata. O cara que consome a mercadoria ilegal está financiando a pirataria.

Você baixa filmes na internet ou vê vídeos online? E música? Tem iPod, baixa MP3?
Cara, eu sou antigo. Não tenho iPod e a única coisa que eu baixo da internet são palestras de mestres budas, que eu assino via Podcast. Nunca baixei música pela internet e não tenho nada contra. Você pode muito bem fazer o download e pagar. Se eu baixasse, compraria. Baixo softwares de escrever roteiros, audiobooks, tudo comprando. Compro CDs, que tem uma qualidade melhor que o MP3, que tem uma alta taxa de compressão. O mesmo acontece com os filmes: a compressão da internet não tem a mesma qualidade que um DVD. Eu acho que no futuro os filmes na web chegarão à qualidade do cinema e aí sim eu vou baixar e comprar.

Você está acompanhando o mundo paralelo de Tropa de Elite na internet? O Capitão Nascimento já virou blogueiro e tem um boneco, no Orkut você vê várias trilhas sonoras feitas por fãs e no YouTube há dublagens do filme.
Alguns filmes, que não são muitos, viram um objeto cultural, modificam hábitos e costumes. Cidade de Deus fez isso, tem a famosa frase do Dadinho. Com o Tropa de Elite também: “O1”, “02”, “aspira”, “pede pra sair”. Isso acontece no dia-a-dia e na internet também. Eu não freqüento Orkut, mas vejo bastante o YouTube e tem muitas coisas engraçadas. Há uma dublagem chamada Tropa de Sofredores, que satiriza o Botafogo, e eu morri de rir com aquilo. É divertido, é interessante, vejo tudo como uma forma de humor. Tem gente que leva a sério, a Torcida Jovem, do Botafogo, falou que vai matar quem fez esse vídeo, dizem que quem está nas comunidades do Capitão Nascimento vai sair torturando todo mundo nas ruas... Isso é besteira, a gente tem de entender que as pessoas fazem piadas sobre tudo. Há um fenômeno cultural em torno do filme, e internet reflete isso.

Por que o Capitão Nascimento virou um ídolo? Por que ele é tão carismático e faz tanto sucesso na internet?
A sua pergunta é muito boa, pois você pergunta por que ele é um ídolo, e não um herói, como a maioria das pessoas. Isso é equivocado: o cara tortura, o cara mata, engana, tem Síndrome do Pânico... Isso está estampado. Ele virou um ídolo, porque há de se reconhecer que o ator (Wagner Moura) tem um carisma que faz a diferença e interpretou o Capitão brilhantemente. O Nascimento é um personagem interessante, ele tem um discurso completamente monolítico, fechado, agressivo e equivocado. Ele acha que a violência se combate com a violência e, dentro desse discurso, incorpora elementos que a população quer. Por exemplo: ele pega um policial corrupto e espanca. Ninguém agüenta mais corrupção. Aí você pega um personagem que é contra isso e as pessoas esquecem qual é o seu primeiro plano: ele tortura e mata. Os políticos deviam pensar por que o Capitão Nascimento é um ídolo.

Hoje se vê que a web é cada vez mais necessária para o sucesso de algo, seja no cinema ou na música. O Radiohead teve recentemente uma idéia maluca – ou genial – de colocar o último deles para download em seu site, e o internauta decidia se valia a pena pagar pelo download ou não. Você pensa em criar algum projeto para o futuro usando a internet como ferramenta?
Aconteceu isso com o meu filme: eu recebi um e-mail de um cara do Rio Grande do Sul que disse: “Vi o pirata e gostei do filme. Mande a sua conta bancária que amanhã eu deposito o valor do ingresso”. Primeiro: a proposta do Radiohead é genial, pois essa é a regra do jogo. A banda disse: “Eu, como proprietário do direito autoral, quero fazer tal coisa”. Eu penso em fazer isso, mas no caso do meu filme eu não sou o proprietário dele. Sou proprietário do direito autoral, não o de distribuição. O filme não é do José Padilha, é de quem o financiou. Eu acho que a internet está sendo cada vez mais importante para o lançamento de qualquer produto, sobretudo quando ele se destina às classes que tem acesso à rede. Todo mundo sabe que isso é uma minoria no Brasil, mas é muito importante, pois essa pequena parcela é formadora de opinião. Cada vez mais tem de se pensar em trabalhar não só com a internet, mas com todas as novas mídias, como o celular. Tudo isso é importante – para o cinema também.

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