22 de abr. de 2006

O último romântico

Uma coisa que eu adorava em minha infância e adolescência era quando eu e meu irmão jogávamos videogame juntos. Tínhamos diversos games, mas sempre escolhíamos um só: International Superstar Soccer, para Nintendo 64.

Para quem não conhece esse jogo, digamos que ele é o antecessor do bacanudo Winning Eleven.

Batalhas sangrentas eram disputadas. Sempre fui melhor que o mano, e as únicas derrotas que eu levava era quando jogávamos com o goleiro manual - sempre fui péssimo no gol: pulava atrasado, errava o canto...

Uma vez meu tio viu a gente jogando antes do almoço e comentou: "O Gustavo joga de um jeito muito mais bonito. Ele dribla, os laterais avançam, tira a bola sem carrinho, os meias lançam há metros e metros de distancia..."

Óbvio que fiquei feliz com o comentário, e meu irmão uma arara. Eu sempre fui um adepto do futebol arte, da bola passar de pé em pé, de dar rolinho, chapéu, fazer com que o time inteiro soubesse armar uma jogada, como a seleção holandesa dos anos 70 e o seu Carrossel Holandês.

Meu irmão, ao contrário, fazia falta atrás de falta, só fazia gol com um jogador e o seu lema, à Dada Maravilha, era: "Não existe gol feio, feio é não fazer gol."

Com o tempo, fui observando que esse estilo de jogo que eu gostava de aplicar no videogame vinha das primeiras partidas de futebol que eu pude assistir na vida com o meu glorioso tricolor paulista, naquela época ainda Bi-campeão Mundial.

O São Paulo tinha um jeito de jogar que me fascinava: com uma paciência que fazia a bola passar pelas chuteiras dos dez jogadores na linha; de longos lançamentos; de um contra-ataque rápido pelas laterais; de um zagueiro técnico que ao invés de dar um bico para afastar a bola, dava um corte com tranqüilidade e avançava até ser parado com falta lá na frente do outro lado do campo.

Outro dia quebrei o pau com o meu mesmo tio pelo fato do Santos ter sido campeão paulista jogando um futebol burocrático e robótico, com uma defesa sólida e um ataque medíocre. Um time que ganhou não sei quantas partidas pelo irrisório 1 a 0. O São Paulo, ao contrário, preferiu dar show. Ganhou e humilhou nos clássicos, mas perdeu para times pequenos e sem expressão por deixar a zaga muito vulnerável a cada ataque perdido. "Melhor perder jogando bonito que ganhar de maneira feia", argumentei.

Esse meu jeito de amar o futebol deve-se muito ao Telê Santana. O São Paulo pelo qual me apaixonei quando menino nos meus primeiros jogos no Morumbi era um time que jogava mais ou menos do mesmo modo que as seleções de 82 e 86 dirigidas por ele, que encantaram o mundo pelo jogo ofensivo e mágico.

Em Febre de Bola, Nick Hornby escreve de maneira fascinante como um menino inicia a sua paixão pelo futebol. Por algum motivo que ele não soube explicar, ele se identificou com o estilo de jogo do Arsenal, com marcação forte, zagueiros truculentos e uma torcida beberrona.

Aquele treinador velhinho de cabelos brancos, orelhas enormes e uma inseparável camisa vermelha, via o futebol como algo totalmente romântico. Também sou assim, e vivo tendo por esse esporte maldito mais desgostos que alegrias. Essa última só vem quando vejo um time jogando o chamado futebol arte, sem violência, truculência ou chutões em direção à arquibancada. Um drible de levantar a torcida, um golaço que vira o assunto predileto de uma segunda-feira.

Como Telê gostava.

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