1 de set. de 2004

Serenidade nos olhos


Corredores frios e longínquos. Dá para ver, no final dele, uma pequena luz. Sabe aquela famosa cena de final de filme, quando o personagem morre e ele deve seguir uma luz? É mais ou menos esta a sensação de estar dentro do Hospital das Clínicas de São Paulo, o HC.

Hospital, junto com cemitério, dá-me medo. A idéia da morte estar ao redor é assustadora. Aquelas paredes brancas, o cheiro de éter, as vozes de centenas de pessoas se misturando. Olhar para o lado direito e ver pacientes esperando ser atendidos. Idosos colocam o papo em dia, uma mãe está com o filho no colo. O segurança indica a direção para uma senhora. Talvez esta senhora esteja, assim como eu, procurando o Banco de Sangue. Sim, decidi, pela primeira vez em minha vida, doar sangue. Decidi enfrentar o meu medo de hospital, fazendo o bem a alguma pessoa. Ajudando uma ou várias vidas, não sei. Estou ansioso, com aquele friozinho na barriga. Como será doar sangue?

Desço quatro andares e ouço de uma recepcionista muito educada se estou de acordo com certas normas de procedimentos. Para doar sangue é preciso, por exemplo, não ter adquirido alguma gripe recentemente ou não ter feito alguma tatuagem nos últimos 12 meses.
Em outra sala, tenho uma pequenina amostra de sangue tirado de meu fura-bolos esquerdo, para saber se estou anêmico ou não. Também tiram a minha pressão e perguntam o meu peso. Pessoas abaixo de 50kg não podem doar, e aqueles com até 57kg doam 400ml de sangue. Acima deste peso, doa-se 490ml.

Observo as pessoas na sala de espera. Muitos idosos e pessoas simples. Aparentam tranqüilidade, há uma serenidade em seus olhos. Conversam, assistem à televisão e aguardam o momento de serem chamados. Agora estou um pouco nervoso. O clima do ambiente ajuda, não há energia negativa.

Ao ser chamado, respondo um questionário feito por um médico. Responder oralmente se já usei drogas, é umas das perguntas. Em seguida sou encaminhado para um mesário, onde uma urna me aguarda. Lembra uma votação. Engraçado, pois em ambos os casos, eu sinto que estou exercendo a minha cidadania.

Assino o meu nome, e em alguns segundos estou sentado numa poltrona confortável. Uma médica mulata, de sorriso encantador e de nome Ivone, me atende. Já não estou mais ansioso e nervoso. A senhora de jaleco branco conversa comigo, enquanto desinfeta com álcool o meu braço-esquerdo. Passa o algodão sem nenhuma pressa, procurando à veia perfeita. Garrateia com um pedaço de cilindro plástico o braço e, sem perceber, reparo que já estou doando sangue. Vejo aquele meu líquido roxo ir e voltando do pequeno tubo. Abro e fecho a minha mão bem devagar, conforme fui indicado. É uma sensação boa.

Fecho os olhos e começo a acreditar que a vida vale a pena. Com pequenas ações dá para ajudar o mundo, uma pessoa. Será que estou ajudando uma vida? Tomara que sim. Saber que 490ml de sangue "O positivo" contribuíram para ajudar uma vida. Já pensaram nisso?

Recebo um leve cutucão no ombro e acabei de doar sangue. Eu doei sangue. Em apenas sete minutos e alguns segundos, contribui para uma causa. Fui voluntário, e é algo tão simples, fácil e gostoso. Não custa nada, demora pouco e vale muito. Vale sete minutos meus, pode valer a vida de uma pessoa. Não é bom saber disso? Hoje eu não preciso daquele saco plástico de 490ml de sangue "O positivo", mas o que dirá o dia de amanhã?

Saio do hospital, com um lanche na mão e uma serenidade em meus olhos. Tal qual as pessoas da sala de espera.

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