8 de jul. de 2004

Havia um Ford Ka no meio do caminho

Sociedade machista é a velha história: quem dirige? O homem. É muito raro ver uma garota levando o namorado no banco do passageiro. Algumas vezes, a guria é mais velha, noutras, ela tem carro; ele, não. Outra possível hipótese é ter como namorado alguém como eu, um folgado de marca maior.

Sim, eu não tenho carro e, sim, eu não gosto de dirigir. Não tenho muito tesão por carro, não. Nunca fui de assistir a corridas, nem tive vontade de ir a uma feira de automóveis. Carro, segundo meu ponto de vista, tem que andar e ponto final. Basta! Não ligo pra marca, potência ou coisa parecida. Mas voltemos ao fato de a minha namorada ser a condutora do relacionamento.

Ela, sim, adora dirigir. A primeira coisa que fez ao tirar a carta de habilitação foi comprar um chaveiro de porquinho para colorir o molho de chaves do veículo. Um carro velho, digamos; dividido com a sua mama. Jamais dirigira sozinha, sempre com os pais ao lado se descabelando para evitar certas manobras da figura. Quando conseguiu se desvencilhar dos seus geradores, escolheu alguém como companheiro de aventura: eu. Honrado? Imagina: aterrorizado.

Mas ela dirige bem (tive que falar isso a ela). Sai direitinho, troca às marchas que é uma beleza, raramente deixa morrer o carro (já vi morrer quatro vezes). Resolveu me levar até a locadora próxima à sua casa para escolhermos alguns DVDs. Anda na faixa destinada aos ônibus, em plena Avenida Paulista. O velho Citroen 93 é o recheio de um sanduíche formado por um Barra Funda e um Parque Edu Chaves.

Medo. Pára no estacionamento e quase arranha as calotas na guia. Ela tem santo forte, acredito. Estaciona direitinho, mas medroso que sou, já vejo a hora dela sair com o carro. Brinco de flanelinha e ajudo a moça. "Direita, esterça, vira, pára, volta tudo...". Se não der no jornalismo, já sei qual profissão seguir: guardador de carros.

Saímos do estacionamento. Trânsito de sexta-feira à noite em São Paulo é um caos. Gente apressada, que buzina o tempo todo, que decide frear em cima da faixa de pedestres e... PIMBA! Pimba? Havia um Ford Ka no meio do caminho, no meio do caminho havia um Ford Ka. Olho pro pára-choque do carro abatido e vejo a merda: afundou bacana. A namorada ensaia um chororo e pede para o namorado - no caso, eu - a enfrentar o condutor do outro carro. Abro a porta e nem imagino o que dizer. "Oi! Ferramos o teu pára-choque, mas, ó, foi sem querer!". Quem sabe essa: "Batida? Que batida? Teu carro já estava sem pára-choque desde o último farol!".

É por isso que ainda vivemos numa sociedade machista. Na hora do aperto, o homem é quem tem que segurar as pontas e dar a cara pra bater. Por que a mulher não faz isso, hein? Saber dirigir e afundar um pára-choque alheio é tarefa fácil, né?

Ainda bem que quem conduzia o outro veículo era uma garota miúda e de óculos fundo de garrafa. Já imaginou se encontro um Vitor Belfort pela frente?

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