27 de jun. de 2004

O dia em que eu engoli uma bolinha de gude


O Billy aprontou mais uma das suas: engoliu um brinco da mama. Agora, é esperar o safado evacuar a jóia. Todos estão furiosos, menos eu. Sou tão sarcástico, que dou risada com as brejeirices do meu cachorro. Meu irmão responde:
- Tal dono, tal cachorro! Um come brinco e, o outro, bolinha de gude!

Quando pirralho, eu zoava muito um coleguinha de sala. O garoto teve a capacidade de engolir uma chave. Achava isso impossível, coisa de retardado. Como alguém enfia uma chave goela abaixo? Continuem a ler a historieta.

Certa vez, eu estava jogando bolinha de gude no tapete de casa. Jogava sozinho. Nunca foi bom em tal brincadeira, não sabia jogar as bolinhas o mais longe possível. O que resolvo fazer? Jogar bolinha de gude com a ajuda da boca. Como assim? Colocava uma na boca, puxava ar e a arremessava, como estivesse dando uma bela cusparada. Estava bacana a peripécia, até o momento em que uma bolinha não saiu, entalou.

Pânico. Ponho as mãos à garganta e engasgo. Cacete, olha a merda! , filosofo, no alto de meus sete anos. Corro até o quarto de minha mãe e tento falar: Aff... Bolinha...Afff... Engoli...Aff... A bolinha...

- O quê? , ela exclamou.

Rodopiei o fura-bolos e apontei à boca. Ela entendeu. Mandou eu plantar bananeira, apoiando os pés na parede. "Cospe!", ordenou. Juro, não saía. Repeti tal procedimento três vezes, e não funcionou. Desespero. Curvei as costas e recebi um tapa (uma porretada, para ser sincero). Bulhufas. Vendo a minha angústia e a minha falta de ar, a mama disse para engolir a maldita bolinha. Engoli. Ao menos não foi uma chave.

Foram quase duas semanas de companheirismo; eu e a minha bolinha. Daria um lindo filme. Até foto nós tiramos - uma radiografia, quer dizer - e lá estava ela, uma bolinha de gudes com um barquinho dentro. Alojada na altura do meu diafragma, do lado esquerdo do peito. Coisa linda. "Tudo o que sobe, desce", já dizia um ditado. O meu era outro: "O que engole, sai depois no cocô". E essa foi a minha esperança. Que merda! Literalmente.

Tomava um remédio horrível (devia ser laxante) e comia purê de batatas o dia inteiro. Qualquer coisa que fizesse eu fazer o número dois, era uma ajuda. Yakult? Manda! Abacate? Simbora! Meu pai iria até Salvador para comprar um acarajé, se possível. Pior, só eu ter que ir com dois canudinhos plásticos pra cima e pra baixo. Quando eu ia ao banheiro e fosse dar uma aliviada, era obrigado a conferir se a maldita bolinha havia saído. Eu ficava horas remexendo a minha obra-prima com aqueles dois canudos. Era decepcionante.

Um dia a bolinha foi-se embora. Fez um tremendo estardalhaço. "Péin!", foi o seu som ao bater na privada. Certamente algo inesquecível. Foram quase dez anos sem comer purê de batatas. Juro pra vocês!

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