10 de jan. de 2009

O fim da humanidade


Um vício meu nessas últimas duas semanas é entrar no Orkut e ler o que está rolando no fórum da comunidade O Fim da Blogosfera. Basicamente, ali é um espaço onde blogueiros "das antigas", que surgiram entre 2000 e 2004, descem o sarrafo nos blogueiros "da atualidade". A questão principal abordada nesse espaço é o tal post pago: quando uma empresa procura o blogueiro e oferece uma grana (irrisória, muitas vezes), para que ele publique um texto. Pode ser para divulgar um produto ou uma ação.

A crítica que rola ali é a ética da turma que adere ao tal post pago. Não interessa se o blogueiro avisa ao seu leitor que aquilo ali está acontecendo ou não, mas como isso aflinge o seu leitor. Eu já passei horas e dias debatendo sobre esse assunto e, no passado, na matéria especial que fiz sobre os 10 anos de blogs no Brasil, ouvi todos os lados possíveis. E respeito cada um deles, vá!

Mas o que está acontecendo nesse final de semana é vergonhoso. Um fabricante de celulares convidou 18 donos de blogs muito populares para passarem dois dias no resort luxuoso que o Silvio Santos construiu no Guarujá. Cada blogueiro recebeu o mais novo telefone móvel da marca e tem de testá-lo durante a hospedagem.

Aliás, essa mesma empresa, ao lançar um outro celular, fez blogueiros andarem de helicóptero, verem jogo do São Paulo num camarote do Morumbi e tomarem uma breja no Bar Brahma. E deu o mimo para eles, claro. Não vi um texto mais tarde que não fosse apenas de elogios ao aparelho. Curiosamente, o que esses "formadores de opinião" não fizeram foi justamente avaliar o produto, mas apenas contar como foi a incrível experiência que viveram naquele dia.

Estou sentindo isso novamente ao ler os comentários publicados por esses 18 blogueiros no Twitter. Não li nada que falasse sobre o software do aparelho, a resolução da câmera, se o Wi-Fi era firmeza... Mas só algo assim: "#tag do nome do celular# estamos na piscina"; "#tag do nome do celular# o churrasco está pronto"; "#tag do nome do celular# recebendo massagem"; "#tag do nome do celular# tomando mojito debaixo do coqueiro"; "#tag do nome do celular# indo para o show do Jota Quest, vai ser mara!"

É sério!

Olha, eu sei que esses comentários vão repercutir apenas dentro da umbigosfera. Essas opiniões também nem são lá muito relevantes, veja bem. Quem são essas pessoas na night, né? Não culpo também a estratégia de marketing de tal empresa*, afinal, a publicidade brasileira ainda não aprendeu como trabalhar com a internet.

Fico puto da vida com os comentários desses blogueiros (vasculhem na web pelos textos), porque posso dizer, fácil, o que é você fazer o review de um produto com imparcialidade. E sei que, ao escrever umas pouco palavras, negativas ou positivas, estarei influenciando fortemente alguém. Não importa se são cinco leitores ou um milhão, entende? Existe aí uma responsabilidade.

Trabalhei dois anos e meio com jornalismo de tecnologia e editava a seção de gadgets do meu caderno. Vi várias pessoas sendo "compradas" perto de mim. Era viagem paga aqui, um produto enviado diretamente para a casa do fulano acolá... Mas também vi muita gente que não se deixava cair nessa. E que me ensinaram, ainda estagiário, o que é ser respeitado pelos colegas de profissão e ter uma ótima palavrinha associada ao seu nome: credibilidade.

Não estou querendo ir aqui para o maniqueísmo clássico de blogueiros x jornalistas. Ética eu não aprendi em quatro anos de faculdade. Ética serve para a sua vida, não para o seu ambiente de trabalho ou para seu site pessoal que tem mil page views diários - sendo grande parte deles paraquedistas vindos do Google.

Eu tento pensar na máxima manobrowniana "cada um, cada um", juro mesmo, mas ao ler essas "opiniões" - abertas e na caruda, ainda por cima - senti nojo dessa máfia que vai às Campus Party da vida e faz palestras dizendo que blog é uma grande ferramenta de negócio e yada-yada-yada.

Tava relendo esses dias uma entrevista que fiz com o Alexandre Inagaki. Uma declaração dele resume bem o que tento manifestar neste post. Eu perguntei sobre o troca-troca de links entre blogueiros. Antes, era uma forma de mostrar que você realmente gostava de ler aquela página e a indicava para seus leitores. Hoje, é apenas um jogo de interesse: se fulano tem muito acesso, vou linkar o blog dele e ganharei mais visitas.

A resposta do japa:

"Isso é meio retrato de uma geração. As pessoas estão sem ideologia e são individualistas. Muitos blogueiros não linkam alguém sem um interesse por trás. Importa se ele vai me render mais visitas, não se ele é interessante. Isso é totalmente de uma geração que prefere votar nulo e tem orgulho de dizer que não se interessa por politica."

PS: Dica de leitura - O blog Imprensa Marrom mostra porque não acreditar no hype da Campus Party.

*Update: Mudei de opinião sobre não culpar a estratégia de marketing da empresa. Dizem que o sucesso da ação será medido pelo número de reações na rede, independente do conteúdo. O que irá contar é a mobilização. Ou seja, quantidade é melhor que qualidade!! Nossa geração realmente está perdida...


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