27 de ago. de 2009
Dos palcos para a internet
O teatro brasileiro vem usando com sucesso a internet como uma ferramenta de divulgação. Que o diga os onipresentes espetáculos de stand-up, verdadeira febre no YouTube, bares e casas de espetáculos nacionais. Então se essa combinação dá certo, por que não um teatro virtual?
Esse é o paulistano Teatro para Alguém, idealizado há nove meses pela atriz e diretora Renata Jesion. O projeto exibe peças teatrais na internet, algumas ao vivo, outras não, e atrai artistas de todas as áreas dispostos a experimentar essa nova linguagem. Desde jovens recém-formados em artes até escritores, diretores e dramaturgos tarimbados, como Lourenço Mutarelli, Mário Bortolotto, Antônio Prata e José Mojica Marins.
Conversei com Renata por telefone, que contou como é encenar uma peça pela internet.
O nome do projeto já explica tudo, não?
Para alguém que queira ver. A gente vai até alguém. No começo, nosso pensamento era esse: bastava que alguém estivesse em frente ao computador para nos ver. Foi assim até a primeira parte. Na segunda, descobrimos quem é que nos assiste ao vivo, quem vê nossos espetáculos. E a brincadeira toma gosto.
E na internet existe alguém mesmo?
É uma situação que todo artista já viu. Às vezes tem 800 pessoas na plateia; outras, ninguém. Então, após 18 anos vivendo isso, pensei: "se é para fazer para ninguém, que seja ninguém na sala da minha casa". Mas o ator, o autor, precisa de testemunhas. Então estamos aí agora, para alguém.
O Teatro para Alguém diz ser uma casa, com vários cômodos, onde cada sala é um palco. Como cada uma delas funciona?
Cada sala tem uma característica. O sótão foi pensado para escritores e dramaturgos. Uma vez por mês, passamos uma peça ao vivo de 30, 50 minutos, o tempo que for. Depois ela vai para o site, dividida em atos de 10 minutos. Trabalhamos com conteúdo em alta definição e esse é o limite do YouTube, fazemos questão de pôr as peças lá também. Daí você desce um andar e estamos na sala de estar, dos autores literários e dos cronistas. Convidamos pessoas dessas áreas para que elas nos escrevam algo para encenarmos. Também acontece uma vez por mês, ao vivo. O outro andar é a sala exclusiva do Lourenço Mutarelli. Ali não é ao vivo, porque seu trabalho tem formato de seriado, é uma antinovela. Toda terça e quinta-feira temos um episódio novo de Corpo Estranho. Já no porão ficam as peças antigas.
Quantas peças já foram encenadas virtualmente?
Considero cada episódio de Corpo Estranho uma produção. A segunda temporada tem 20 episódios, assim, quando ela chegar ao final, teremos 46 produções ao todo. Somos malucos, o Teatro para Alguém exige uma energia e um dinheiro que não temos. É grana do nosso bolso. Mais dois meses assim não dá, já pedi até empréstimo. Todo mundo é generoso com o projeto, quer desbravar essa nova mídia com a gente. Fornecemos um cachê simbólico para os nossos convidados, para não dizer que é de graça, apesar de ser. Precisamos de dinheiro para crescer, para melhorar nossa infraestrutura e também remunerar os artistas. E trazemos uns putas artistas! Se o link de uma produção ao vivo ultrapassar 1.000 espectadores, ele cai. Isso já aconteceu. Lotamos um (teatro) Sérgio Cardoso por dia (risos). Levávamos 6 meses para uma peça atingir até 50 mil acessos, hoje conseguimos isso num mês. É muita gente vendo algo cultural na íntegra.
É muito complicado conseguir patrocinadores para um projeto como esse?
Por incrível que pareça, depois de nove meses agora são os patrocinadores que batem na nossa porta. Sempre foi o contrário: eu apresentava o conceito e eles não entendiam como tirar proveito dessa nova mídia. Estamos em conversa com duas, três empresas, que estão chegando.
O Teatro para Alguém é um espaço para revelar novos talentos da dramaturgia?
O projeto é totalmente democrático por ser gratuito e chegar a lugares onde o teatro não comercial não chega. Trazemos conhecidos e desconhecidos, resgatamos autores parados e apresentamos o novo que está acontecendo. Um núcleo de 12 dramaturgos formados no SESI nos procurou e o resultado será 12 peças diferentes. Já estamos no 10º autor. Por que não revelá-los? Tem cinco, seis peças ali que são um primor.
Afinal, o Teatro para Alguém é teatro, é cinema... O que ele é?
No começo, diziam que não era teatro, porque não existia um público ali pulsando. Olha, os atores passam de um a dois meses ensaiando, a câmera é estática. Tudo é feito em plano sequência, sem cortes. É um hibrido de cinema e teatro, nosso discurso é a busca de uma nova linguagem. Não achamos um rótulo para o que estamos fazendo, e estamos longe de achar. (risos)
* Matéria publicada no Virgula
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