De novo não...
Dizem que quanto mais velhos ficamos, mais nos prendemos a uma rotina. Por exemplo: nossos avós. O saudoso seu Gilberto tinha suas atividades cotidianas com horários fixos e tudo mais. Lembro que ele acordava um pouco antes das sete horas, calçava seu tênis Bamba, uma boina estilosa, punha no bolso de sua camiseta listrada - era sempre umas de algodão com listras e gola pólo - um pente de bolso, R.G e o óculos de grau de armação grossa. Ia à padaria, conversava com todos que andassem pelas ruas, comprava dois ou três jornais do dia e fazia o mesmo caminho de volta, o que levava aproximadamente uma hora. Depois ele trazia o pão quentinho para quem estava acordando, sentava na poltrona da sala, lia os jornais de cabo a rabo, enquanto molhava seu pão francês na xícara com café com leite bem quentinho.
A Cris, minha vizinha, vive reclamando de sua mãe. Segundo ela, todo final de ano é a mesma coisa: Natal, obrigatoriamente com os pais, Ano Novo não necessariamente. Acontece que a mãe dela, uma senhora já de idade, encasqueta de ir sempre a Águas de Lindóia. E a Cris odeia essa cidade, simplesmente pelo fato de ter que ir lá, religiosamente, nos finais de ano das últimas décadas. "Não agüento mais ver as cabras de Lindóia", reclama.
Cito o caso de minha vizinha, pois sei do que ela fala: meus pais são iguais. Há dez anos as férias de Dezembro são passadas no Guarujá, a Acapulco brasileira. Não, não temos casa ou apartamento por lá. Meus pais alugam um quarto num apart-hotel que fica na beira da praia da Enseada. E eu odeio do fundo de minha alma esse hotel. Odeio mesmo.
Vou dizer para os leitores de outros estados, qual é o barato do Guarujá: é a praia que o paulistano não tem. Férias, segundo meu conceito, é se livrar daquelas pessoas que você já atura durante um ano inteiro. No Guarujá, bastam três quarteirões para você ouvir um "Ô, fulano! Que coincidência você por aqui!". Daí você se sente na obrigação de aceitar aquele churrasco na casa dele - e, pior, você acaba freqüentando a praia junto dele. É um horror!
O malfadado hotel não ajuda muito. A mesa de ping-pong que eu já faço uso desde os 10 anos de idade, continua a mesma. Está torta, as tábuas são presas por pregos, a rede é esburacada... A piscina há uns cinco anos não tem um azulejo no seu fundo. E todo ano alguém corta o pé por lá, enche a água de sangue, e a faz ficar interditada por uns dois dias - isso quando um guri não "batiza" a água. Melhor, só a vista que meus pais tanto adoram: um esgoto. Sim, na praia da Enseada você acha um esgoto a cada 100 metros, e acredito que vocês possam imaginar com o odor dali é agradável.
Tentei persuadi-los, como sempre, insistindo no fator de que devíamos conhecer outros ares. Ficaram de analisar minha proposta. Juro que por semanas achei que Deus finalmente atendera minhas preces. Mas eis, que, há um mês, minha mãe me liga no ônibus e solta a bomba: "Gu, a gente acabou ficando com Guarujá mesmo. Lá a gente já conhece, o pessoal do hotel é amigo, sabe como é...". Notaram agora a minha relação de como gente velha cria rotina - como meu avô ou a mãe da Cris?
Blasfemei e desliguei o telefone na cara dela. Todo ano que vou para aquele hotel e digo para mim mesmo: Nunca mais. E, adivinhem, todo ano eu volto.
Dizem que quanto mais velhos ficamos, mais nos prendemos a uma rotina. Por exemplo: nossos avós. O saudoso seu Gilberto tinha suas atividades cotidianas com horários fixos e tudo mais. Lembro que ele acordava um pouco antes das sete horas, calçava seu tênis Bamba, uma boina estilosa, punha no bolso de sua camiseta listrada - era sempre umas de algodão com listras e gola pólo - um pente de bolso, R.G e o óculos de grau de armação grossa. Ia à padaria, conversava com todos que andassem pelas ruas, comprava dois ou três jornais do dia e fazia o mesmo caminho de volta, o que levava aproximadamente uma hora. Depois ele trazia o pão quentinho para quem estava acordando, sentava na poltrona da sala, lia os jornais de cabo a rabo, enquanto molhava seu pão francês na xícara com café com leite bem quentinho.
A Cris, minha vizinha, vive reclamando de sua mãe. Segundo ela, todo final de ano é a mesma coisa: Natal, obrigatoriamente com os pais, Ano Novo não necessariamente. Acontece que a mãe dela, uma senhora já de idade, encasqueta de ir sempre a Águas de Lindóia. E a Cris odeia essa cidade, simplesmente pelo fato de ter que ir lá, religiosamente, nos finais de ano das últimas décadas. "Não agüento mais ver as cabras de Lindóia", reclama.
Cito o caso de minha vizinha, pois sei do que ela fala: meus pais são iguais. Há dez anos as férias de Dezembro são passadas no Guarujá, a Acapulco brasileira. Não, não temos casa ou apartamento por lá. Meus pais alugam um quarto num apart-hotel que fica na beira da praia da Enseada. E eu odeio do fundo de minha alma esse hotel. Odeio mesmo.
Vou dizer para os leitores de outros estados, qual é o barato do Guarujá: é a praia que o paulistano não tem. Férias, segundo meu conceito, é se livrar daquelas pessoas que você já atura durante um ano inteiro. No Guarujá, bastam três quarteirões para você ouvir um "Ô, fulano! Que coincidência você por aqui!". Daí você se sente na obrigação de aceitar aquele churrasco na casa dele - e, pior, você acaba freqüentando a praia junto dele. É um horror!
O malfadado hotel não ajuda muito. A mesa de ping-pong que eu já faço uso desde os 10 anos de idade, continua a mesma. Está torta, as tábuas são presas por pregos, a rede é esburacada... A piscina há uns cinco anos não tem um azulejo no seu fundo. E todo ano alguém corta o pé por lá, enche a água de sangue, e a faz ficar interditada por uns dois dias - isso quando um guri não "batiza" a água. Melhor, só a vista que meus pais tanto adoram: um esgoto. Sim, na praia da Enseada você acha um esgoto a cada 100 metros, e acredito que vocês possam imaginar com o odor dali é agradável.
Tentei persuadi-los, como sempre, insistindo no fator de que devíamos conhecer outros ares. Ficaram de analisar minha proposta. Juro que por semanas achei que Deus finalmente atendera minhas preces. Mas eis, que, há um mês, minha mãe me liga no ônibus e solta a bomba: "Gu, a gente acabou ficando com Guarujá mesmo. Lá a gente já conhece, o pessoal do hotel é amigo, sabe como é...". Notaram agora a minha relação de como gente velha cria rotina - como meu avô ou a mãe da Cris?
Blasfemei e desliguei o telefone na cara dela. Todo ano que vou para aquele hotel e digo para mim mesmo: Nunca mais. E, adivinhem, todo ano eu volto.
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