"Tchunf!"
Eu tenho uma mania estranha: ler no banheiro. Quando eu digo isso, é comum ouvir: "Ah, isso é normal, todo mundo gosta de ler sentado no trono enquanto faz as suas necessidades". Mas comigo é de outra forma, caro leitor. Eu gosto de ficar no toalete mesmo sem estar com vontade de fazer o número dois. Por ser um lugar ermo, jamais perco a concentração de leitura nesse ambiente.
E o que isso tem a ver com o texto? Acontece que, ontem, após a aula de Sociologia, faltavam cinco páginas para eu terminar Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago. É óbvio que eu não queria descer para o recreio (eu ainda falo isso) deixando a minha leitura por incompleta. "Na sala de aula não dá, pois o professor vai trancá-la", pensei. "No corredor também não, lá tem muito barulho", raciocinei. Uma pequena lâmpada acende sobre a minha cabeça, tal qual nos desenhos animados. Sim, acreditem: eu resolvi terminar o livro sentado no trono do banheiro da faculdade.
Eu odeio as cabines do toalete masculino da universidade. São apertadas demais, mas, para sorte minha, a cabine reservada para deficientes estava vaga. Celebrei comigo mesmo. Entrei, tranquei a porta, abaixei a tampa da privada e abri o livro. Mal termino a primeira linha quando escuto alguns passos apressados adentrar o recinto. A pessoa entra na cabine ao lado da minha, bate a porta e passa a tranca. O som do papel higiênico sendo puxado rapidamente, aos montes, faz-me segurar a risada. Julgo que ele vai soltar aquele barro. Em seguida o homem diz um "Ai caralho!" , e a calça, arriada, choca-se violentamente contra o chão. A dificuldade com que o sujeito teve para abrir o cinto foi sensacional! Pelo o que eu ouvi, a situação era calamitosa.
Milésimos depois ecoa pelo vaso sanitário vizinho aquele som que nós sabemos muito bem qual é, daquilo que fica horas guardado em nosso organismo, que quando escapa vem acompanhado de uma sensação de alívio e frescor, sabe? O mau odor é o seu parceiro, é óbvio. Um "tchunf" -recuso-me a explicar essa onomatopéia - completa a seqüência sonora. É lógico que a cena protagonizada pelo meu companheiro de privada me fez deixar o escritor português de lado.
Saio do banheiro, pois a coisa por lá estava feia, e ouço uma colega de sala reclamar: "Meu, tô há horas para falar com o professor de Sociologia, mas o cara deve ter ficado entalado lá no banheiro!".
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