A vergonha passa longe
Não sei se digo que é um motivo de orgulho ou de vergonha, mas sou um belo mentiroso. Tento ser como o das antigas, que age na improvisação e na malícia. Ah, às vezes é ótimo dar uma bela mentirinha. Sem maldade alguma, é claro. Apenas para uma, digamos, auto-satisfação.
Na escola era demais, até no primário eu já dava as minhas. Recordo-me que quase todo o final de dia, para ir embora mais cedo, enrolava a professora. "Tia, posso ir ao banheiro? Estou apertado", perguntava, contorcendo as pernas. Ao ser liberado da sala, pegava a minha lancheira e descia correndo as escadas. Pegava a primeira perua escolar que me aparecesse, sem titubear. A professora era muito tapada ou eu tinha cara de pau mesmo, pois não sabia inventar outra lorota a não ser a famigerada desculpa do banheiro.
Conforme o tempo, fui me aprimorando. Já na quinta-série, a Lígia, minha professora de Português, era uma baita ditadora. Nem ao bebedouro ela deixava os alunos irem - menos eu, óbvio. Bom aluno (apenas em Humanas, como todos sabem), eu tinha a artimanha do aparelho ortodôntico. Minha mãe me obrigava a andar pra cima e pra baixo com uma escova e pasta de dentes, a fim de que eu pudesse contribuir na limpeza dos ferrinhos. Eu não fazia isso, né? - somente nas aulas de Português (a professora achava isso). "Professora, tem um pedaço de pão no fundo dos dentes e, como tenho que colocar o aparelho, preciso sair para escovar os dentes. Posso?". Ela consentia, é lógico. A cara de santo também ajudava.
Na faculdade, ser mentiroso é questão de sobrevivência. O meu irmão, por exemplo, vive às turras com aquele indivíduo que existe em todo ambiente de ensino: o professor filho-da-puta. O cara, o meu irmão, já está de férias - menos em uma matéria: a do professor. Precisa ir sexta-feira até Campinas fazer uma prova ridícula, e vai ter que esperar até às 11 e meia, término do curso. Não sabe o que fazer para sair mais cedo. Eu logo ajudei, sugerindo uma desculpa muito boa: a da hemorróida. "Fala que vai operar urgentemente, que está doendo pra diabo!", aconselhei. Até o Maluf teria sentimentos frente a um caso desses.
O tonto, o meu irmão, não gostou. Tem vergonha de usar a palavra "hemorróida". Indiquei outra falácia, também relacionada à cirurgia: a septicemia. Professor de engenharia, nem vai saber do que se trata, mas vai julgar como algo sério. O retardado, o meu irmão, gostou - embora também não saiba o que há por trás da palavra de cunho médico.
É que ele, o meu irmão, tem vergonha das coisas, e um mentiroso, para começar, tem que ser desavergonhado, já dizia vovô. Como um bom mentiroso, diria ao meu mestre: "Profi, libera mais cedo? Vou fazer uma cirurgia no pingolinho, está doendo horrores para mijar, e tu sabes a emergência dá parada, não é?".
Na escola era demais, até no primário eu já dava as minhas. Recordo-me que quase todo o final de dia, para ir embora mais cedo, enrolava a professora. "Tia, posso ir ao banheiro? Estou apertado", perguntava, contorcendo as pernas. Ao ser liberado da sala, pegava a minha lancheira e descia correndo as escadas. Pegava a primeira perua escolar que me aparecesse, sem titubear. A professora era muito tapada ou eu tinha cara de pau mesmo, pois não sabia inventar outra lorota a não ser a famigerada desculpa do banheiro.
Conforme o tempo, fui me aprimorando. Já na quinta-série, a Lígia, minha professora de Português, era uma baita ditadora. Nem ao bebedouro ela deixava os alunos irem - menos eu, óbvio. Bom aluno (apenas em Humanas, como todos sabem), eu tinha a artimanha do aparelho ortodôntico. Minha mãe me obrigava a andar pra cima e pra baixo com uma escova e pasta de dentes, a fim de que eu pudesse contribuir na limpeza dos ferrinhos. Eu não fazia isso, né? - somente nas aulas de Português (a professora achava isso). "Professora, tem um pedaço de pão no fundo dos dentes e, como tenho que colocar o aparelho, preciso sair para escovar os dentes. Posso?". Ela consentia, é lógico. A cara de santo também ajudava.
Na faculdade, ser mentiroso é questão de sobrevivência. O meu irmão, por exemplo, vive às turras com aquele indivíduo que existe em todo ambiente de ensino: o professor filho-da-puta. O cara, o meu irmão, já está de férias - menos em uma matéria: a do professor. Precisa ir sexta-feira até Campinas fazer uma prova ridícula, e vai ter que esperar até às 11 e meia, término do curso. Não sabe o que fazer para sair mais cedo. Eu logo ajudei, sugerindo uma desculpa muito boa: a da hemorróida. "Fala que vai operar urgentemente, que está doendo pra diabo!", aconselhei. Até o Maluf teria sentimentos frente a um caso desses.
O tonto, o meu irmão, não gostou. Tem vergonha de usar a palavra "hemorróida". Indiquei outra falácia, também relacionada à cirurgia: a septicemia. Professor de engenharia, nem vai saber do que se trata, mas vai julgar como algo sério. O retardado, o meu irmão, gostou - embora também não saiba o que há por trás da palavra de cunho médico.
É que ele, o meu irmão, tem vergonha das coisas, e um mentiroso, para começar, tem que ser desavergonhado, já dizia vovô. Como um bom mentiroso, diria ao meu mestre: "Profi, libera mais cedo? Vou fazer uma cirurgia no pingolinho, está doendo horrores para mijar, e tu sabes a emergência dá parada, não é?".
Septicemia é isso aí. Coitado do "operado", o meu irmão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário