28 de set. de 2010
A útima sessão do Gemini
Ele não tinha pipoca com azeite trufado, projeção em tecnologia 3D nem som desenvolvido por George Lucas, mas, mesmo assim, era um dos cinemas mais queridos pelos paulistanos. Fechou as portas na noite deste domingo (26) o Gemini, tradicional cinema de rua da Avenida Paulista.
Fundada em 1975, a casa teve o seu fim anunciado na semana passada. “É verdade que hoje é o último dia do cinema?”, perguntou um homem à caixa da bilheteria, que dava tickets de papel (o lugar não tinha sistema de cartão de crédito) a quem pagasse R$ 14 para assistir à última sessão, das 21h40, com um filme chamado, ironicamente, de “Cabeça a prêmio”.
“Não posso dizer que é uma honra ter um filme meu fechando um cinema, quando, na verdade, queria ter um servindo para abrir”, diz o ator Marco Ricca, diretor de “Cabeça a prêmio”, por telefone ao G1. “Passei minha juventude no Gemini, você podia ir lá que sempre tinha filme bom. Era um local que lutava por exibir filmes alternativos. Mais um que acaba”, lamenta.
Nos últimos anos, com o avanço dos cinemas de shopping, dedicados a blockbusters, o Gemini se tornou uma espécie de refúgio para os apreciadores da sétima arte, que viam na casa um “símbolo de resistência” mesmo com todos os seus defeitos.
Os filmes ali exibidos já podiam ser alugados em DVD ou Blu-ray, com qualidade superior à da projeção das duas salas, cujas poltronas de couro não reclinavam nem tinham apoio para bebidas, pernas e o que mais se possa imaginar. O tapete da bela sala de espera muitas vezes cheirava a mofo e não era incomum encontrar meninos de rua durante as solitárias sessões das tardes, que tinham como espectadores cinéfilos, estudantes do cursinho e da faculdade em frente ou apenas pessoas que estavam ali “fazendo hora” antes de uma reunião ou do médico.
'Tudo pode dar certo'
“Eu tenho todo um carinho por aqui, era o cinema perfeito. Comecei a vir em 2008 quando me mudei de Belém para São Paulo. Estava desempregado na época, vinha sozinho. O primeiro filme que vi foi ‘Traídos pelo destino’”, recorda o jornalista Thyago Gadelha, que enfrentou a chuva paulistana para assistir "Cabeça a prêmio".
“Vinha aqui desde a época do cursinho. Quando você vai ver um filme no shopping, você tem um passeio pronto, sabe onde comer. Aqui não, o foco era apenas o cinema”, completou o químico Fábio Dias, de 26 anos.
No domingo havia quatro funcionários trabalhando no Gemini. Nenhum deles aceitou dar entrevista – apenas se soube que eles tinham sido avisados sobre o fim do cinema dias antes. Um faxineiro revelou torcer para alguém investir e salvar o local, cujo destino é incerto.
Antes de a exibição de “Cabeça a prêmio”, o público fez uma pequena fila em frente à bilheteria, cena incomum nos últimos anos. Muitos tiravam fotos com seus celulares e câmeras digitais. “É triste ver as pessoas fazendo isso”, disse a economista Marina Pacini, de 25 anos, que às 19h50 assistiu a “Tudo pode dar certo”, de Woody Allen.
Um nome de filme que seria muito mais sugestivo para encerrar as atividades do Gemini.
* Matéria publicada no G1
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