17 de mai. de 2010
Mulheres à frente de seus tempos marcam as HQs 'Kiki' e 'Bordados'
Já estão à venda nas livrarias brasileiras dois dos quadrinhos que vão estar na lista dos melhores que sairão por aqui neste ano: “Kiki de Montparnasse” (Editora Galera Record) e “Bordados” (Quadrinhos na Cia).
Feministas a sua maneira, as duas obras retratam com intimidade e curiosidade o papel de mulheres à frente de seu tempo - em épocas diferentes.
Em “Bordados”, elas conversam timidamente sobre homens, relacionamentos e sexo. Na sociedade machista em que vivem são alvo de casamentos arranjados e cirurgias de reconstituição de hímen (para serem “eternas virgens”).
Já em “Kiki de Montparnasse”, ela surge um exemplo de libertina, que vive a liberdade sexual e emocional. Ela é alcoólatra, usuária de drogas e não acredita em casamentos.
O curioso é que o primeiro exemplo é do século 21, enquanto o segundo é do período entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial.
Mulher de verdade
“Kiki” é uma premiada HQ francesa, que chega ao Brasil com três anos de atraso. Ela conta a história de Alice Prin, uma camponesa da Borgonha que se tornaria a grande musa de uma Paris boêmia e efervescente pós-1920. Ela nasceu de mãe solteira e passou a infância nas ruas até ser criada afetuosamente pela avó materna.
Alice foi uma artista, que flertou com a pintura, cinema, dança e canto. Durante a adolescência, chegou a se prostituir para sobreviver a pão e vinho. Quis o destino (e sua ousadia) que ela tivesse a seu redor mentes brilhantes, como a dos pintores Moïse Kisling, Fujita Tsuguharu e Pablo Picaso, do fotógrafo surrealista Man Ray e do escritor Tristan Tzara (criador do movimento Dada).
Foi aí que Alice virou Kiki, a rainha do bairro de Montparnasse. Modelo de diversos artistas de vanguarda, ela conheceu na época não apenas a liberdade sexual, mas também a intelectual. Kiki, apesar de toda a polêmica em torno de seu nome, é um dos principais exemplos da emancipação feminina no século 20.
Dividido em quase 30 capítulos, o livro é uma rica biografia. Realizada pela dupla francesa Catel Muller (arte) e José-Louis Bocquet (roteiro), a obra possui traços e narrativas simples, ótimos até para quem não é lá muito fã do gênero.
Laços de família
Já “Bordados” leva a assinatura da iraniana Marjane Satrapi. Autora de “Persépolis”, graphic novel que rendeu um documentário indicado ao Oscar, a artista volta-se novamente à própria família para revelar o mundo feminino dentro do machista Irã.
É tradição no país, após o almoço, que os homens tirem para um cochilo - enquanto as mulheres tiram, adivinhem, a mesa. Marjane costumava ser a responsável pela preparação do samovar, um tradicional chá de bule iraniano.
O costume é um pretexto para suas familiares “tricotarem”, como se diz no Brasil. “Falar mal dos outros é ventilar o coração”, diz sua avó, viciada em ópio.
Aos poucos, a autora arranca camadas da sociedade iraniana. Para falar francamente de virgindade, casamento e traição, ela pega exemplos de casos íntimos, como o de uma prima, mãe de quatro filhos e que nunca viu um pênis (seu marido a obriga a transar no escuro).
Já outra tia, que sonhava viver no Ocidente, aceitou casar com um desconhecido, sendo que o próprio não esteve presente no casamento – ela posou para as fotos ao lado de um porta-retrato!
"Bordados” traz uma crítica política e social muito forte com diálogos divertidos e histórias curiosas. Apesar do título do livro remeter à fofoca, ele também é uma expressão iraniana para o procedimento cirúrgico que algumas mulheres se submetem para reconstituírem seus hímens – para que os futuros maridos acreditem que estejam casando com virgens.
O grande trunfo dele é revelar que, quando reunidas, mulher é igual em qualquer país e o assunto é sempre o mesmo. Basta trocar o chá do samovar por uma rodada de Cosmopolitan que "Bordados" vira praticamente um “Sex and the city”.
* Matéria publicada no G1 em 12/5/2010
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