26 de nov. de 2009

Lie to Me: que tal brincar de polígrafo?

LOS ANGELES - Imagine conversar com uma pessoa que fica lhe encarando o tempo todo. Que presta atenção no jeito que você coça o nariz, pisca ou se ajeita na cadeira. E que lhe julga a partir desses gestos e de sua postura. É essa a sensação de se conversar com um fã de Lie to Me. A série da Fox, em que um especialista em micro-expressões e linguagem corporal detecta qualquer mentiroso, virou febre entre os seus seguidores. E você achava que escutar sua filha disparando aquelas expressões indianas de Caminho das Índias é que era irritante...

Basta assistir a alguns minutos da produção para querer imitar o Dr. Carl Lightman (Tim Roth). "Passei a observar e analisar expressões faciais e corporais. Se vejo um amigo dar uma puxadinha de lábio, já pergunto: ‘Tá me chamando de idiota?’, ri a turismóloga Monik Neves Paiva, de 24 anos. "Já peguei várias reações em desconhecidos, como fazer uma pergunta e ver alguém passar a mão no pescoço. Ou seja: está escondendo algo. Tá coçando o próprio braço na minha frente? Sinal de pessoa manipuladora", continua.

Lie to Me é baseado nos estudos do psicólogo Paul Ekman, uma referência no estudo criminológico e considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, pela revista Time. Lightman é Ekman na ficção. O da vida real é muito envolvido com a produção: comenta em um blog os episódios e sempre vai às gravações, para o desespero dos atores.

"Ele é uma pessoa amável, mas sempre me sinto estranha perto dele. Você fica meio ‘ele pode ler o meu rosto ’. Nem precisa falar nada, ele sabe exatamente o que está rolando com você", diz a atriz Kelli Williams, durante entrevista à imprensa internacional de que o Estado participou, nos EUA.

Intérprete da Dra. Gillian Foster, ela vive uma personagem baseada em outro psicólogo da vida real, a professora Maureen O’Sullivan. Já Ria Torres (Monica Raymund), a policial que tem um dom natural para fazer o trabalho de Lightman, e Eli Loker (Brendan Hines), o funcionário "super sincero", são fictícios.

Curiosamente, o elenco também está viciado em flagrar as mentiras alheias. "No começo fui reticente, pois acho que deve existir um pouco de mistério no rosto humano. Mas, como atriz, sempre me interessei pelo comportamento humano", justifica Kelli. "Minha filha me testa o tempo todo, mas ela é péssima mentirosa!", ri.

Kelli diz que nota melhor as mentiras de desconhecidos - como a de garçons em restaurantes. "Quando pergunto se certo prato é bom, na hora percebo: ‘opa, tá mentindo’." Monica, por outro lado, já teve momentos de Dr. Ekman com conhecidos. "Encontrei uma amiga que não via há seis, sete anos. Pela mudança de voz e pelas rugas ao redor dos olhos, era como se ela dissesse ‘F... -se você’. Nossa amizade acabou ali", comenta a atriz, que revela ser fã de American Idol. "Adoro! E o Simon Cowell sempre coça o nariz (sinal de mentira)", brinca.

A atriz jura não ter estudado nada de Ekman. "Minha personagem não tinha nenhuma informação dessa ciência quando entrou no Lightman Group. Meu objetivo sempre foi aprender junto de Ria, pois, do contrário, não seria natural", diz.

INTENSIVÃO
O mesmo não acontece com os fãs, que são estimulados a testarem seus conhecimentos. Tanto no site de Ekman, quanto no da Fox, há vídeos que testam a capacidade do internauta de descobrir as micro-expressões. Ekman trabalha com seis universais, listadas nos anos 70: raiva, nojo, medo, felicidade, tristeza e surpresa. A partir da década de 90, ele selecionou outras, como prazer, orgulho e vergonha.

A série não aborda apenas os estudos do psicólogo, mas outros truques usados por especialistas. Exemplo: quer descobrir se alguém está contando uma história falaciosa? Peça para o autor mudar sua ordem, como iniciá-la da metade até o começo. "Fiz isso com um amigo, que estava se achando depois de uma balada. Deu certo", conta o estudante Guilherme Pavani, de 18 anos.

De tão fã da série, ele baixou o mesmo software que Lightman usa no seriado, um que exibe várias fotos de pessoas aleatórias. "Encontrar a expressão de raiva é fácil. O rosto se curva e sobrancelha abaixa", ensina. "Após Lie to Me, passei a reparar mais nas pessoas. Mas isso não é bom, é só ver que todos os personagens têm problemas pessoais em razão disso."

Já o estudante de Psicologia Diego Sanches, de 23 anos, começou a se interessar mais pelo estudo do Behaviorismo. "A fidelidade científica é o que me agrada", conta o universitário, que viu uma professora apresentar um episódio em aula. "Ele abordava a fidelidade do segredo entre as crianças."

O psiquiatra forense Breno Montanari, que tem 30 anos de experiência, concorda. "A série tem toques pertinentes, bem misturados com a ficção." Ele cita o mesmo episódio comentado por Sanches. "Dos 4 aos 7 anos, a criança não diferencia a realidade da fantasia, a verdade da mentira."

Outro exemplo que ele cita é o personagem Eli, que adere à Teoria da Verdade Radical. "Existe uma mentira social, que é impossível viver sem ela", explica. O ator Brendan Hines que o diga. Para viver Eli, ele testou falar por aí só o que lhe vinha à mente. "Descobri que você se mete em problemas se não tiver anos e anos de experiência e de estudo no assunto", diverte-se.

Entrevista Tim Roth: 'Só uso as habilidades com os meus filhos'
A presença de Tim Roth é o grande chamariz de Lie to Me. O ator britânico, cuja carreira foi construída no cinema americano (ele é um ator fetiche de Quentin Tarantino), é citado a todo momento pelo elenco da produção "Ele é muito exigente, mas de um jeito positivo. Nos faz ensaiar como se estivéssemos no teatro. Uma única cena pode levar uma hora", comenta Brendan Hines. "Teve uma vez que ele me fez chorar. Mas, sabe, é o Tim Roth, de Rob Roy, diz Monica Raymund, citando o filme que rendeu ao ator uma indicação ao Oscar. Roth falou ao Estado sobre ser Carl Lightman.

Tem como não aprender algo com o seu personagem?
Você não consegue fugir. Mas tento não ser influenciado. Só uso as habilidades com os meus filhos. Mas não consigo ler ninguém. Em particular, mulheres.

O Ekman está sempre nos sets?
Ele é um cara muito calmo, gentil e despretensioso. Mas fico desconfortável com a sua presença, porque ele realmente lhe sente. Como ator, senti-me exposto.

Você sempre fez personagens físicos, o oposto de Lightman, que é mais observador...
Sempre fui fã da atuação mais física, nunca daquilo mais "interno". Muito do que ele faz é olhar e observar. Isso é uma das coisas mais difíceis de se fazer. Mas eu não presto atenção na minha performance, apenas fico de olho no que estão fazendo ao meu redor.

Esse é o seu primeiro trabalho na TV dos EUA. Os papéis mais desafiadores estão na TV?
Cada vez mais atores dramáticos estão indo para a TV. Eles morderam essa isca, os roteiros e os escritores agora estão lá. Mas meu background é britânico e lá, as linhas entre fazer televisão e teatro não são claras. Não existe de se achar por fazer isso ou aquilo. TV americana é algo novo e excitante. Mas exaustivo.

O Lightman nunca vai errar?
Vamos ver momentos em que ele não terá certeza de algo e quero fazer episódios em que ele possa errar, mas que possamos entender por que os cometeu. O Paul Ekman diz que, na maioria das vezes, não se tem 100% de certeza de uma mentira.

Manter o sotaque britânico foi uma opção sua?
Disse logo no começo que não faria o sotaque americano. Fica um ruído diferente num programa de TV dos EUA. Mas meus filhos são americanos e eles não vieram de fábrica com o sotaque britânico. Não tem como pôr um chip desses neles.

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