8 de fev. de 2009

A vida inteira que poderia ter sido e que não foi


Vou lhes soltar um pequeno segredo: o meu sobrenome é grafado da maneira errada. O meu Miller, que no primeiro passar de olhos logo faz as pessoas acreditarem que tenho ascendência americana, deveria ser, na verdade, Müller. Uma influência das raízes germânicas de minha falecida - e tão querida - avó Madalena.

Müller vem da minha família paterna. Todo mundo de lá tem em seu R.G. a escrita correta. Menos meu pai, eu, meu irmão e minha mãe, que adquiriu o erro após o casório. Meu avô diz que a culpa foi do funcionário do cartório, que pôs no registro de nascimento de papai o Müller com "i". Às vezes me pego pensando se vovô não deveria ter soletrado antes...

Fui descobrir que meu nome estava errado apenas na 2ª série. No meu primeiro dia de aula, vi que nas carteiras de alguns os alunos havia uma plaquinha de papelão com o desenho do Baby, da Família Dinossauro. Em cada uma dessas plaquinhas estava o nome completo de cada aluno, uma maneira de identificar os estudantes que tinham vindo de outra escola - meu caso. Foi a primeira vez que vi meu sobrenome escrito como Müller. Achei estranho pra caramba!

Logo depois, em casa, soube da história do cartório. Contei-a para minha professora daquela época, a saudosa Tia Diva, que resolveu escrever durante todo o ano o meu sobrenome da maneira alemã. Ela dizia que essa era a maneira correta e pronto! Mal sabia a velhinha que ela quase fez com que esse blogueiro fosse até um cartório a fim de consertar seu sobrenome. Por anos fiquei adiando esse desejo.

Com o tempo, aceitei o Miller coxo. E, confesso, adoro o seu jeitão único. Nunca estudei com um Miller durante toda a minha vida escolar. Com Müllers? Uns dois, três. Isso foi bem legal, sabia?

Hoje faço piadas com o meu sobrenome. Quando me ligam no jornal e pedem para eu dizer o endereço de meu e-mail, soletro-o sempre com a seguinte abordagem: "M-I-L-L-E-R. Igual à cerveja!"

Raramente deixo de escutar uma risada do outro lado da linha telefônica.

Nas últimas semanas voltei a considerar a hipótese de ter o Miller como Müller. Foi parte de minha revolta contra essa reforma ortográfica, que riscou do mapa o trema. Fiquei pensando que ser um Müller é agora ter um sobrenome vintage. Vi-me falando às crianças daqui 30 anos: "Sabe esses dois pontinhos sobre o "u"? Isso se chama trema, um diacrítico, um sinal gráfico que foi abolido do Brasil em 2009. Não é legal ter um sinal desses no sobrenome?"

Daí as crianças, boquiabertas, balançariam a cabeça em sinal de aprovação, impressionadas com a minha idissioncrasia idiossincrasia linguística.

Mas, tosse, tosse, tosse, vou continuar com o Miller. É muito mais bacanudo dizer que meu sobrenome é escrito da mesma maneira que uma cerveja, do que do mesmo jeito que um ex-jogador da seleção brasileira de futebol.

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