O Seu Hélio é um simpático amigo de meu pai. É senhor, tem lá os seus 70 e poucos anos. Engraçado, estiloso, inteligente, cheio de boas histórias para contar. E rico. Bem rico.
Seu Hélio coleciona Mercedes. Tem umas quatro ou cinco, acho. Chegam a não caber na garagem de sua casa, então ele as deixa na rua mesmo. Acreditem.
Estive esses dias por Sorocaba e notei uma Mercedes bem antiga em frente à minha residência. Bege, classuda, linda. Não sou muito fã de carro, mas adoro os antigos. O que estava no portão era um de 1974, a Mercedes 300D.
Logo soube que a preciosidade era do Seu Hélio. O louco veio de São Paulo até Sorocaba (90km de distância) nela, e queria ir com meu pai até Tupã (440 km) com a safada. Ele quis fazê-lo mudar de ideia, mas o Seu Hélio é teimoso. Sorte do meu progenitor que ela não é licenciada há anos, e sabe-se lá quando a carteira de habilitação do Seu Hélio venceu também.
O jeito foi os dois irem com o carro de meu pai. E a Mercedes-Benz ficou em Sorocaba. Na rua!
No dia seguinte, mexendo na bomboniere onde ficam as chaves de casa, encontrei uma diferente. É claro que era da Mercedes. O lado brejeiro foi mais forte e comecei a amolar minha mãe e meu irmão.
- Tem que deixar ela mais encostada na guia!
- Ela está atrapalhando a entrada da garagem!
- Tem de colocar na sombra, o carro deve estar um forno!
Todos em casa me faziam uma expressão de reprovação. Óbvio que não funcionou.
Na tarde de sábado, notei que minha mãe tinha saído e meu irmão estava no banho. Foi perceber isso para me ver dentro da Mercedes do Seu Hélio! Fiquei ali, admirando o painel antigo, o estofado, o hodômetro batendo nos 190 mil quilômetros... E pensei comigo mesmo.
- Só uma volta no quarteirão, ninguém vai notar...
Pus a chave no contato, esperei alguns segundos e dei partida. O motor berrou forte, o carro inteiro tremou. Veículo old school, de macho, é isso aí! Dá até vergonha desses automóveis atuais que, de tão silenciosos, deixam no ar a pergunta: "estão parados ou em movimento?"
Comecei a ajeitar o volante para a esquerda, dei seta, e já ia encaminhando a mão direita ao freio de mão...
- Opa! Cadê a porra do freio de mão??
Não tinha. Fiquei me sentindo um idiota. "E agora", pensava, suando como um condenado.
Abri os vidros - elétricos, diga-se - e comecei a fuçar pelo painel. Achei um botão do lado esquerdo do volante, daqueles de puxar.
- Deve ser isso...
Mal tive tempo de terminar a frase para o carro descer a ribanceira da rua onde moro. Só senti a roda da frente subindo a calçada. Meti o pezão no freio e ouvi uma bela cantada de pneus. É claro que o carro morreu.
Dei partida novamente e fui bem devagarinho, tal qual minha primeira vez na auto-escola. O carro tremia muito, fazia barulho. É que eu, de tão nervoso, não tinha tirado o pé da embreagem. Bastou tirá-lo para a 300D pegar velocidade. Entrei na rua à esquerda e contornei a mão esquerda por todo o volante.
Folgado que sou, aproveitei para pôr o meu cotovelo esquerdo para fora da janela. Me senti como um astro de Hollywood.
Não chamei a atenção das garotas, é claro. Já dos garotos... Dois rapazes ficaram me encarando, enquanto lavavam seus míseros Corsinhas. Dois senhores que saíam da padaria e estavam prestes a atravessar a rua, deram um passo para trás e admiraram a imponente dianteira da caranga. Eu olhava pelo espelhinho cromado a reação de cada pessoa que me encarava.
E abria um belo sorriso.
Aproveitei para testar a velocidade da Merça. Anda muito! Subi a minha rua, que é ladeira, na terceira marcha, à 80 km/h. A bicha anda tanto que nem precisei engatar a quinta marcha.
Ao voltar para casa, comecei a endireitá-la, com todo o carinho. Encostei pertinho da guia, subi os vidros, pus o banco de volta à posição original. Desliguei o carro e lembrei.
- Errr... Não tem freio de mão!
Aquele botão de puxar não funcionava, já adianto, pois assim que tirei o pé do acelerador, o carro desceu horrores e quase beijou a traseira do Fiesta do meu vizinho. Devido à barbeiragem, teria de dar uma ré. Mãããsss....
- E agora, onde é a ré dessa porra?!
Suando de nervoso, liguei para a única pessoa que me veio em mente: o Filippe, que entende tudo de carros.
- Fala meu!
- E aí?
- Tá ocupado?
- Indo pra academia. Diga!
- Então, você sabe onde fica o freio de mão em carro antigo?
- Acho que sim, por quê?
- Sabe a Mercedes que tá na frente de casa? Saí com ela e não sei como pará-la
- Hehehehe
- Não é engraçado!!
- Tá, tá... Não tem nenhum botão aí no painel, com um "T" escrito?
- Peraí... Nops.
- Não tem um pedal extra?
- Pedal extra? Não, eu teria sentido... Ah, tem um aqui, quase na minha coxa!
- Então...
- Apertei! Vou soltar o pé do freio e xá eu vê... Parou!
- Boa
- Valeu!
Fiquei todo contente. Mas lembrei da ré. Liguei de novo!
- Opa!
- Que foi?
- E a ré? Sabe onde é?
- Ahahaha. Não tem nenhuma alavanca aí nem nada?
- Puts, não!
- Tô passando aí...
Saí para fora do carro e liguei para meu pai. Contei da aventura e ele ria... Mais alto ainda, ao fundo, era a risada do Seu Hélio! Que deu um berro:
- Só puxar o câmbio e engatar como se fosse a primeira!
Ele não ficou bravo nem nada, pelo contrário. Disse até que poderia usar a Mercedes quando quisesse - dei uma volta com o Filippe mais tarde.
Agora espero ansiosamente pelo dia em que encontrar em frente ao portão de minha casa uma de suas Merças mais modernas. Aquelas zoiudas, imponentes, automáticas, que fazem sucesso nas vitrines da Avenida Europa.
Podem aguardar por esse próximo post - se eu sobreviver à experiência, lógico!
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