8 de jul. de 2008

O Olhar



Meu pai é um grande fã de cinema. Desde que eu me conheço por gente, todos os finais de semana, em minha casa, há pelo menos uns dois filmes que foram alugados para assistirmos durante o sábado e o domingo. Meu pai vê todos, sem exceção. A comédia aborrescente que meu irmão pegou, o drama escolhido por minha mãe, o documentário intelectualóide que eu pedi ou o novo filme do Steven Seagal que o atendente da locadora fez questão de deixar reservado para ele.

Há uma frase de meu pai que eu nunca esquecerei. Há muitos anos, quando havíamos acabado de ver O Sexto Sentido, ele virou para mim e disse: "Sabe por que o Bruce Willis é um puta ator? Porque ele sabe trabalhar com os olhos. Repara que tem várias cenas que ele não fala nada, mas consegue demonstrar tudo o que está sentindo só pelo o seu olhar. Você não vê mais atores assim."

Estou contando essa historinha, pois no último sábado assisti Wall-E. Já esperava algo do cacete, pois Pixar é Pixar (apesar de Carros), mas me surpreendi pela beleza e pela melancolia da animação digital. E também porque, pela primeira vez, em um desenho animado um personagem trabalha simplesmente com o seu olhar.

Os 30 minutos iniciais da animação são brilhantes. Não há um diálogo sequer. Vemos apenas o robozinho Wall-E fazendo seu trabalho burocrático de pegar o lixo e organizá-lo. Nisso ele acha um sutiã, um isqueiro, uma caixinha de jóias, uma plantinha. A câmera foca em seus olhos (lentes, digo) e capta sua curiosidade diante de tais objetos. Não precisa de mais nada.

E o que dizer do momento em ele assiste ao musical Hello, Dolly! em seu surrado iPod Video? Novamente o olhar dele facinado para a tela de projeção é algo de tirar o fôlego. Essa é uma cena para caçar no YouTube, baixá-la e guardá-la para sempre no seu HD. Não posso deixar de fora também os momentos de Wall-E com Eva, assim que eles se conhecem. As cenas dos dois robôs juntos, comunicando-se apenas através de gestos e do olhar, são de tocar o coração.









Saí do cinema com a impressão de que a Pixar levou a animação para um outro patamar. Tudo bem que no seu desenrolar o filme tenta passar uma liçãozinha de moral e não surpreenda tanto, mas isso não tira o crédito do longa de Andrew Sotton , que é excelente.

Fazia muito tempo que eu não via um filme com tantas cenas belas e cativantes. Outro dia estava fuçando na internet trechos de filmes com a Cyd Charisse e me deparei com um lindo momento dela e Fred Astaire em A Roda da Fortuna. Os dois caminham pelo Central Park e seus passos começam a virar passos de dança. Tudo acontece de uma forma tão natural e bonita (e sem nenhum diálogo), que eu fiquei pensando se esse tipo de cinema morreu em seu mundo technicolor.

Wall-E me provou que não.

OBS: O primeiro e o único desenho animado a concorrer na categoria de Melhor Filme em um Oscar foi A Bela e a Fera, em 1992. Se eu fosse membro da Academia, faria de tudo para colocar no ano que vem Wall-E. Vale. E até indicaria o robozinho como Melhor Ator, pois sua "atuação" é brilhante.

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