Costumo dizer que há dois tipos de japoneses: os primeiros são os bem nerds, de corte de cabelo franjinha e ultrapassado, que usam óculos de aro grosso e são franzinos. Os outros são os kamikazes, excêntricos, populares entre todos, que não estudam nada e são os maiores figuras das salas de aula. E eu estudei com um cara que preenchia esse segundo perfil, o Rafael.
Assim que me mudei para Sorocaba, em 1993, meus pais me colocaram para jogar tênis. Treinava de manhã, o que era um saco, pois sempre odiei acordar cedo para fazer qualquer coisa. Mas eu me divertia nessas manhãs, principalmente em razão do Rafael, que era um ano mais velho do que eu. Ele era uma figurinha. Ele jogava todo estranho, tinha um sotaque engraçado e um cabelo à la Jackie Chan. Ambos vivíamos perdendo para o Tiago, que era melhor jogador que nós. À cada derrota, eu ficava bravo e resmungava com Deus e o mundo, mas o Rafael nem ligava. Dava risada sozinho e ficava batendo bola na parede, como se nada estivesse acontecido. Esse trio durou pouco mais de um ano.
Alguns anos mais tarde eu reencontrei o Rafael. Estávamos na sétima série - a anta tinha repetido esse ano. Ele continuava da mesma forma: pateta, lerdo de raciocínio, falando ainda mais engraçado e mantinha o mesmo cabelo de outrora. Usava uns shorts curtos que faziam sucesso entre as meninas da sala (as mais atiradas ficavam pegando em suas coxas). Ele costumava vestir sempre o mesmo moleton, um da Hard Rock Cafe, cinza, que já estava todo desgastado na gola. Pior só o seu New Balance moído, todo rabiscado de canetas hidrocores.
Talvez eu fosse um dos únicos dali que tinha paciência com o rapaz. Logo fiz um grupo de amizade: eu, ele e o Guilherme. Morávamos perto um do outro, e passávamos às tardes após as aulas jogando futebol e basquete no meu quintal, ou disputando fervorosas partidas de 007 Goldeneye no Nintendo 64. Isso foi durante um ano inteiro. Ele vinha pedalando sua montain-bike estilosa e a largava em um canto qualquer de minha casa, sempre pedindo para a empregada prender o cachorro, pois ele morria de medo de ser mordido. Justificava-se dando uma gargalhada sensacional, e balbuciando palavras que só pertenciam ao seu universo.
No ano seguinte eu mudei de escola. Soube que ele começou a namorar a Alessandra, a garota mais bonita da sétima série. Fiquei anos sem ter alguma notícia dele. Às vezes o encontrava em shows ou festas. Trocávamos apertos de mãos e conversávamos pouco. Em poucos segundos cada um ia para o seu lado. Acho que isso foi fruto daquele tipo de amizade que só temos com colegas de escola. São curtas, e basta o primeiro afastamento para só restar a saudade.
Voltei a vê-lo e saber como ele estava graças ao Orkut. Estava mais fortinho, tinha a cara de bobo de sempre, com o mesmo cabelo estranho jogado no rosto. Sua descrição era um sarro, pois não tinha como entender o que ele queria dizer com aquilo. No fundo, acho que ninguém nunca soube compreender o que ele queria dizer. Às vezes eu xeretava o profile dele, só para saber como estava sua vida. Mas não chegamos a trocar mensagens, acho. Apenas um adicionou o outro. Acho que nem precisávamos ter o que falar do outro.
Nesse final de semana eu soube que o Rafael morreu, há um mês. Morte besta, algo típico dele. Bêbado e com a perna quebrada, foi atropelado enquanto atravessava a pista de uma estrada fuleira, saindo trôpego de uma festa. Fiquei embasbacado com o fato. Nessas horas você vê como o tempo é estranho, pois me recordo direitinho de quanto tínhamos 12 e 13 anos. Parece que foi ontem aquelas tardes de quarta-feira sem fazer nada, onde um ficava amolando o outro; dos trabalhos de Biologia que minha mãe fazia e nós levávamos crédito por isso; de quando eu chutei a bola na casa do vizinho e ele pulou o muro para pegá-la, capotando feio de cima de uma bananeira; do campeonato interno de futsal da sétima série, em que bati um lateral com efeito e ele, correndo, pegou de primeira e fez um golaço (fui o artilheiro do time nessa competição, algo que nunca se repetiu na minha vida).
O Rafael foi um dos caras mais engraçados que eu já conheci.
Assim que me mudei para Sorocaba, em 1993, meus pais me colocaram para jogar tênis. Treinava de manhã, o que era um saco, pois sempre odiei acordar cedo para fazer qualquer coisa. Mas eu me divertia nessas manhãs, principalmente em razão do Rafael, que era um ano mais velho do que eu. Ele era uma figurinha. Ele jogava todo estranho, tinha um sotaque engraçado e um cabelo à la Jackie Chan. Ambos vivíamos perdendo para o Tiago, que era melhor jogador que nós. À cada derrota, eu ficava bravo e resmungava com Deus e o mundo, mas o Rafael nem ligava. Dava risada sozinho e ficava batendo bola na parede, como se nada estivesse acontecido. Esse trio durou pouco mais de um ano.
Alguns anos mais tarde eu reencontrei o Rafael. Estávamos na sétima série - a anta tinha repetido esse ano. Ele continuava da mesma forma: pateta, lerdo de raciocínio, falando ainda mais engraçado e mantinha o mesmo cabelo de outrora. Usava uns shorts curtos que faziam sucesso entre as meninas da sala (as mais atiradas ficavam pegando em suas coxas). Ele costumava vestir sempre o mesmo moleton, um da Hard Rock Cafe, cinza, que já estava todo desgastado na gola. Pior só o seu New Balance moído, todo rabiscado de canetas hidrocores.
Talvez eu fosse um dos únicos dali que tinha paciência com o rapaz. Logo fiz um grupo de amizade: eu, ele e o Guilherme. Morávamos perto um do outro, e passávamos às tardes após as aulas jogando futebol e basquete no meu quintal, ou disputando fervorosas partidas de 007 Goldeneye no Nintendo 64. Isso foi durante um ano inteiro. Ele vinha pedalando sua montain-bike estilosa e a largava em um canto qualquer de minha casa, sempre pedindo para a empregada prender o cachorro, pois ele morria de medo de ser mordido. Justificava-se dando uma gargalhada sensacional, e balbuciando palavras que só pertenciam ao seu universo.
No ano seguinte eu mudei de escola. Soube que ele começou a namorar a Alessandra, a garota mais bonita da sétima série. Fiquei anos sem ter alguma notícia dele. Às vezes o encontrava em shows ou festas. Trocávamos apertos de mãos e conversávamos pouco. Em poucos segundos cada um ia para o seu lado. Acho que isso foi fruto daquele tipo de amizade que só temos com colegas de escola. São curtas, e basta o primeiro afastamento para só restar a saudade.
Voltei a vê-lo e saber como ele estava graças ao Orkut. Estava mais fortinho, tinha a cara de bobo de sempre, com o mesmo cabelo estranho jogado no rosto. Sua descrição era um sarro, pois não tinha como entender o que ele queria dizer com aquilo. No fundo, acho que ninguém nunca soube compreender o que ele queria dizer. Às vezes eu xeretava o profile dele, só para saber como estava sua vida. Mas não chegamos a trocar mensagens, acho. Apenas um adicionou o outro. Acho que nem precisávamos ter o que falar do outro.
Nesse final de semana eu soube que o Rafael morreu, há um mês. Morte besta, algo típico dele. Bêbado e com a perna quebrada, foi atropelado enquanto atravessava a pista de uma estrada fuleira, saindo trôpego de uma festa. Fiquei embasbacado com o fato. Nessas horas você vê como o tempo é estranho, pois me recordo direitinho de quanto tínhamos 12 e 13 anos. Parece que foi ontem aquelas tardes de quarta-feira sem fazer nada, onde um ficava amolando o outro; dos trabalhos de Biologia que minha mãe fazia e nós levávamos crédito por isso; de quando eu chutei a bola na casa do vizinho e ele pulou o muro para pegá-la, capotando feio de cima de uma bananeira; do campeonato interno de futsal da sétima série, em que bati um lateral com efeito e ele, correndo, pegou de primeira e fez um golaço (fui o artilheiro do time nessa competição, algo que nunca se repetiu na minha vida).
O Rafael foi um dos caras mais engraçados que eu já conheci.
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