25 de mar. de 2004

Tio Gu


Eu sempre tive jeito com crianças (sem insinuações, por favor). Passo na rua e vejo uma, logo faço uma careta, uma trapalhada. Ganho um sorriso ou uma gargalhada. Com os meus primos menores também era assim. “Gu, vamo jogá bola!”; “Gu, vamo brincá de corrida?”.

Não tinha jeito; eu participava da brincadeira numa boa. Emprestava alguns brinquedos, deixava subir na minha cama. Só não podia usar meu vídeo-game. “Gu, joga um joguinho no vídeo-game?”. Minha resposta nunca mudava: ou dizia que o brinquedo havia quebrado, ou falava que havia emprestado para algum amigo. Como criança é um ser absurdamente inteligente, eles não caiam na minha falácia até eu mostrar um carrinho ou algum boneco do “Comandos em Ação”. Era chantagem pura.

A vizinha de minha avó teve um filho recentemente. É o xodó do prédio. Aperta bochecha daqui, faz um cafuné de cá; e pega no colo e tira do colo... Ser bebê é uma tarefa árdua. O coitado está tirando uma soneca em frente à tv e logo vem aquela vizinha de 70 anos do andar debaixo. “Mas que coisinha mais fofa! Posso pegar no colo? Ai, mas ti gracinha que você é! Tá com soninho? Nana nenê, que a cuca vem pegar...”. Fico imaginando o moleque, olhando para aquela coroa de pele flácida e cheirando a laquê. É a cuca em pessoa.

Eis que ontem o nenê chega aqui em casa. Estava eu e titia, somente. A mãe da criança pergunta se pode usar a impressora. Ouve uma resposta afirmativa. Dou um “oi” para o guri e venho para o quarto. Alguém bate na porta.
- Gustavo... pode tomar conta do “Felipão” um pouquinho? Só até eu terminar meu trabalho.

Nem respondi e já ganhei um “pacote” de 6 kg no meu colo. Olha para mim indiferente, com estranheza, seus olhos percorrem o minúsculo quarto. Olha para mim. “Eita garoto sério!”, penso. Faço uma careta e nada. Mostro a língua e nada. Mostro as minhas duas mãos ao garoto; ele observa atentamente. Faço aquela brincadeira de “arrancar o dedão e colocá-lo no lugar de volta”. Espanto. Olha para a porta e procura a mãe. Faz uma careta e dá aquele choro infernal que só os bebês sabem fazer. Ocorre uma correria geral no apartamento. A mãe, já acostumada, me atenta:
- Coloca algum desenho que ele pára com essa manha.

A anta da mãe talvez não reparara que eu estava usando o computador do meu tio. Não dava pra bater um texto e deixar o moleque sozinho, vendo televisão. Vai que ele capota da cama e cai de cabeça no chão. Isso deixa traumas profundos - vide a pessoa que vos escreve.

Olha para mim de novo, com aqueles “zóio” de jabuticaba. Tenho uma idéia: digito no teclado www.happytreefriends.com. Aproveito a banda larga e mando bala. Começa o desenho e, curiosamente, o bebê fica quieto. Dá uma risada, e torna-se uma bateria de escola de samba, tamanho o seu entusiasmo. Acaba o desenho e ele se volta para mim e aponta aquela minúscula mão em direção ao monitor. Mostro outro desenho e ele fica doido - literalmente. Estoura a cabeça do coelho e ele adora, o alce perde um olho e ele vibra, um bicho lá é atropelado e ele comemora. Até baba no macacão, a criatura.

Quando vai embora, sua mãe me pergunta:
- O que fez ele ficar quieto? Ele só fica quieto quando está passando Teletubbies.
- É, isso mesmo que eu coloquei... ele adora mesmo!

E foi-se embora a mãe, com o guri numa adrenalina tremenda. Mal sabe ela o monstro que eu criei.

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