15 de jan. de 2006

Quem acredita em meia-entrada?


Estou aqui, pensando com os meus botões, se essa idéia de "meia-entrada" vale realmente alguma coisa para nós, estudantes ou professores, ou se hoje ela já não passa de pura lorota.

Escrevo isso aqui, indignado que estou, após pagar R$ 8,50 em uma entrada de cinema, e saber que nesta semana que virá, R$ 100 voarão de minha conta corrente com destino aos cofres polpudos de Alexandre Accioly e Luís Niemeyer, responsáveis pela vinda do U2 e Franz Ferdinand ao país.

Li uma entrevista com um dos homens supracitados. "O ingresso é caro em razão da alta aparelhagem do show e da existência de um mercado negro de carteirinhas de estudantes", foi a desculpa dada que mais me chamou a atenção. Escusa feita graças às milhares de reclamações que pipocaram pelo país. Meia-entrada R$ 100? Que porra é essa?

A porra é que todo mundo tem carteirinha de estudante. É fácil tirar uma - certa vez, um repórter da Veja S.Paulo, se eu não me engano, mostrou como é fácil tirar uma (detalhe: ele já estava formado há dois anos). Bastam cinco minutos. É, até certo ponto, uma máfia mesmo. Até rádio oferece carteirinha de estudante! Lembro também de uma matéria que dizia que no cinema do Shopping Santa Cruz, em São Paulo, mais de 90% das entradas são compradas pela metade do preço original (por isso o aumento, dã!).

Mas se engana que a pessoa que pensa que está se dando bem ao adquirir esse pedaço de plástico, cujo poder dá desconto de 50% em futuros eventos. No final, e isso já está comprovado há um tempinho, nós, consumidores, pagamos o pato legal. Pode apostar que esse dia ainda vai chegar; basta uma banda internacional que você adora decolar por aqui ou um baita filme estrear nos cinemas.

Penso seriamente que a solução ideal e mais eficaz é abolir essa cota de meia-entrada no Brasil. Na Argentina, país hermano aqui do ladinho, não existe isso. O resultado é que os preços para cinema, teatro e eventos esportivos ou musicais são muito mais em conta. Ano passado, quando o White Stripes tocou em São Paulo, lembro que paguei R$ 50 para ir ao concerto - 60 pila era o preço a se pegar para ficar em pé na pista. Alguns dias antes, ou depois, Jack e Meg tocaram num lugarzinho da Argentina, pertinho da fronteira com o Brasil. Li mais tarde que alguns fãs brasileiros optaram por ir até o outro país para pagarem mais barato (a entrada para o show morreu em R$ 30).
Jogo de futebol hoje custa mais de R$ 30; cinema quase 20 barões. O que fazemos? Boicote? Seria uma boa, mas isso nunca funcionou. É foda se tocar que o direito à meia-entrada que eu tenho "por lei", na verdade não passa de uma entrada inteira camuflada.

OBS: Um dia depois deste post, o jornal Folha de S.Paulo traz uma matéria com o mesmo tema. Está bem mais completinho, lógico. Vejam!

7 de jan. de 2006

Feliz novo ano

Estava eu, quinta-feira, no ponto de ônibus da Avenida Paulista. Ponto este que por mais de dois anos foi o meu trajeto diário de voltar para casa, em qualquer ônibus laranjinha de nome "alguma coisa Continental". Desta vez eu esperava outro ônibus, agora de cor verde, que me levaria direto ao trabalho - sim, estou estagiando em um lugar bem bacana, há uma semana, mas depois conto isso melhor para vocês.

Um rapaz perto de mim, camiseta verde, cabelo bem curtinho de franjinha à la Brit Pop e usando óculos de armação grossa, folheava um livro, em pé. Admiro quem consegue essa proeza, a de ler em pé. Como de costume, passo perto dele e bisbilhoteio o que lê: Angústia, de Graciliano Ramos. Sempre tive vontade de lê-lo também, pois poucos livros em minha vida me tocaram tanto quanto Vidas Secas.

O ônibus verdinho passa e eu subo nele. Enquanto espero para passar pela catraca, avisto uma garota bonita, cabelos longos e claros, presos por uma faixa. Colar de Pau-Brasil no pescoço, blusinha de renda branca, está com a cara enfiada em um livro. Sento atrás dela, estico o pescoço e noto que ela lê Angústia, como o outro garoto. Deve ser para alguma faculdade, penso, pois tamanha coincidência é meio rara.

Eis que o menino que lia Graciliano em pé espera ansiosamente para passar pela catraca. Olho para ele e observo, que tal como eu, ele também se impressiona com a beleza da garota de cabelos castanhos claros. Ele força os olhos e dá um sorriso, percebendo que a capa do livro que ela lê com tanta atenção é o mesmo que ele guarda debaixo de um dos braços. Passa pelo cobrador e senta - adivinhem ao lado de quem!

Fico extasiado com a cena. Sentado atrás deles, consigo decifrar a cara de pau dele, que abre o seu livro, olha para o lado e solta um falso "não acredito!", cutucando-a de leve. "USP?", ela pergunta. "Engenharia Civil, e você?", ele dispara com um olhar 43. "Psicologia", responde a garota, rindo. Ele engata uma conversa, bobo que não é, e batem um papo sobre vestibulares, faculdades, cursinhos e professores chatos - coisas que todo vestibulando adora falar.

Esqueço um pouco deles e penso na vida, que em 2003 eu estava na mesma situação que os dois, prestando vestibular, e não sabendo como seria a minha vida no futuro. E lembrei que dois meses depois eu já morava em outra cidade e fazia o curso que eu tanto sonhei um dia fazer. E que um pouco depois eu namorava pela primeira vez, e achava que tudo o que eu almejava acontecia muito rápido e isso me fazia a sentir a pessoinha mais feliz do universo - exatamente como me sinto hoje, ao escrever esse texto ouvindo Clap Your Hands Say Yeah!, banda indie bem legalzinha, no som do meu quarto em Sorocaba.

Ah, em relação aos dois vestibulandos, digo que o rapaz mandou muito bem. Antes de descer em seu ponto, ele pediu para a menina se podia adicioná-la no Orkut. Ela respondeu positivamente, fazendo charme e dizendo "Eu não tenho caneta nem onde escrever". Ele balançou os ombros, como se dissesse "não tem problema, tenho uma caneta aqui na minha mochila". E foi isso que ele fez, dando a caneta para ela. Ela esperou e disse: "Mas onde eu posso escrever para você?". "Aqui mesmo", ele respondeu de lata, tirando o seu exemplar de Angústia do colo.

Depois ele foi embora e, juro para vocês, que ele chegou a dar um pulinho de alegria ao atravessar a rua.